III. Seminário de Formação do Cimi - 2
“Bem viver, desenvolvimento, governos de esquerda”

No penúltimo dia do encontro (24.11.2010), os participantes acompanharam exposições de pesquisadores e acadêmicos sobre Estado e Poder e os Governos de esquerda na América Latina. Movimentos sociais, Estado Nação, poder e bem viver indígena. Estes termos nortearam as discussões do penúltimo dia do Seminário do Cimi, que aconteceu em Luziânia-GO. Com as contribuições de Lino João, César Sanson, Pablo Dávalos, Cacique Babau e Maurício Guarani, os participantes discutiram “Estado e Poder”, os “Governos de esquerda na América Latina”, e as “Experiências indígenas do bem viver”.
César Sanson, pesquisador do CEPAT e parceiro do IHU, depois de fazer todo um apanhado sobre as crises energéticas, as crises ambientais, mudanças climáticas, ressaltou que os governos ditos de esquerda são sim grandes aceleradores desse modelo neo-desenvolvimentista. Cesar destacou que governos dos países latinoamericanos assumiram a heranöa do modelo desenvolvimentista dos anos 1950.
Se nas décadas de 1980 e 1990 o modelo neoliberal liderava com privatizações, reforma das instituições, capital internacional, campanha para que os países se inserissem no processo de globalização, os governos de esquerda da A.L. se elegeram contra esse processo com grande apoio dos movimentos sociais.
Segundo Sanson, os governos existentes hoje na A.L. são neo-desenvolvimentistas. “O papel do Estado é alavancar o desenvolvimento. Para isso ele aparece em três facetas: o Estado investidor, financiador e o Estado social”. O Estado banca grandes obras para alavancar o desenvolvimento, financiando para a exploração do capital privado; ele financia a fusão de grandes conglomerados para competir com empresas transnacionais e elabora programas sociais compensatórios, por exemplo o bolsa família.
Esse modelo cria tensões com os movimentos sociais. Sanson destacou que os indígenas são grandes entraves a essa lógica e por isso são tão perseguidos. “Os movimentos sociais em geral não podem se deixar iludir: a inclusão social não pode vir do consumo, mas da resolução de problemas”, declarou.
Ainda nesta discussão dos Estados Latino Americanos, o economista Pablo Dávalos destacou que poucas vezes na história houve tantos estados partilhando da mesma concepção. “É a mesma dinâmica de acumulação capitalista!”, afirmou. Mas para compreender como a A. L. chegou a essa situação, Dávalos voltou aos anos 1990, e destacou a forte atuação dos movimentos sociais em toda a América Latina. “Foram esse movimentos que derrotaram o neoliberalismo! E os partidos políticos se valeram desta energia dos movimentos para se elegerem.”, lembrou.
O economista também mostrou que os movimentos sociais foram se calando, se paralisando, após as eleições dos chamados partidos de esquerda. “Precisamos encontrar o fio de Ariadne para sairmos deste labirinto e recuperar a agenda dos movimentos sociais!”, finalizou.
Na tarde de ontem (24), dois indígenas puderam relatar suas experiências de Bem Viver. Os povos indígenas têm sua maneira própria de viver que foge da lógica do consumismo, das violências, do desrespeito à natureza, e faz com que sejam exemplos vivos do que se pôde entender nesses três dias de seminário sobre Bem Viver.
Rosivaldo Ferreira da Silva, mais conhecido como cacique Babau do Povo Tupinambá da Serra do Padeiro, relatou sua vida em comunidade, seu costumes, a forma de economia e de preservação da cultura e da memória dos antepassados de seu povo. Para ele, muito das violências que seu povo sofre é pelo fato de serem alegres, felizes e viverem em harmonia, o que revolta os fazendeiros, os depredadores da natureza, os representantes do capital. “Em nossas terras, não há violência doméstica, respeitamos a natureza, temos sistemas de roças comunitárias, aprimoramos a comercialização de nossos produtos em parceria com a nossa associação! Temos muita fartura, porque ninguém pode ter dignidade passando fome! Fazemos coleta seletiva, produzimos excedente como reserva, caso haja algum imprevisto”, relatou. Babau mostrou como respeitam a terra e os ciclos de vida. “Nosso modelo de vida é estável, a gente ri, é alegre, é feliz, a gente faz muita festa! Temos vida e vida com felicidade!”.
Segundo Babau, esse modo de vida causa incômodo e é por isso que muitos já tentaram subornar a comunidade para abandonarem a terra, mas o povo não aceitou e isso desesperou os inimigos.
O jeito guarani
Depois dos relatos de Babau, foi a vez de Maurício da Silva Gonçalves, liderança Guarani, falar do que é o Bem Viver para seu povo. “Antes do branco chegar a gente tinha o bem viver completo: tínhamos casa, caça, peixes, frutas nativas. Tínhamos o jeito de ser guarani. Mas quando o branco “descobriu” o Brasil, perdemos todo o nosso território!”, lembrou.
De acordo com Maurício, o povo Guarani perdeu todas as suas terras e é por isso que se vê o drama desse povo hoje. “A nossa grande luta é pelo reconhecimento de nosso território. A mata Atlântica, por exemplo, é território Guarani, e se estendia até Argentina, Paraguai”. Maurício destacou que o povo Guarani não tinha limites, não reconhecia o que era fronteira e até hoje esta memória é importante para dar forças nas lutas Guarani.

Na escuta da Palavra
 Os anciãos Guarani, segundo Maurício, ainda não conseguem entender a organização dos brancos, o fato de haver Grupos de Trabalho para a identificação de terras, laudos antropológicos. “Para eles é muito complicado entender que antes era tudo nosso e agora precisa de estudos para provar isso!”, ressaltou. “Como é que se vivem 200 pessoas em 7 hectares? Não dá nem para fazer casa de reza!”.E as grandes plantações são as invasores dos territórios guarani. “Quando não é soja, é plantação de cana que ocupa a nossa terra!”.
Maurício relatou que hoje a grande luta do povo Guarani é para conseguir seus direitos. “A lei garante nossas terras, mas isso não garante nada na prática. Nossas famílias vivem na beira das estradas, debaixo de lona. Os fazendeiros não querem nem que os indígenas fiquem perto de suas cercas. Guarani não existe mais, porque não temos terra, não podemos plantar!”, ressaltou. Ou seja, a terra é o principal fator que falta para que o povo Guarani retome o seu jeito de ser, seu Bem Viver (cf. http://www.cimi.org.br/).
Foto à direita: Babau recebe um telefonema da sua irmã da Bahia dando a boa notícia que as pessoas responsável pelo seu tempo na prisão (segurança máxima) agora são presos. Paulo Suess põe a bíblia no ouvido, o telefone da boa notícia.
III. Seminário Nacional de Formação do Cimi:
“O sonho e a realidade do `bem viver´
frente ao modelo de desenvolvimento”
(22-25.11.2010, Brasília)
No Seminário Nacional do Cimi, o núcleo central da reflexão é o “bem viver”, o sumak kawsay dos povos andinos. Veio do Equador o economista e assessor do movimento indígena, Pablo Dávalos, para explicar aos mais de 100 participantes do “Seminário de Formação” esse novo paradigma político que visa cinco rupturas profundas com o sistema do capitalismo tardio em curso.
1. A ruptura constitucional e democrática, para sentar as bases de uma comunidade política inclusiva e reflexiva, que aposta à capacidade do país para definir outro rumo como sociedade justa, diversa, plurinacional, intercultural e soberana.
2. A ruptura ética para garantir a transparência que favorece o reconhecimento mutuo entre as pessoas e a confiança coletiva.
3. A ruptura econômica para superar o modelo de exclusão herdado e para orientar os recursos do Estado para a educação, saúde, investigação científica, tecnologia. Essa ruptura deve concretizar-se através da democratização do acesso à água e terra, ao crédito e conhecimento.
4. Ruptura social para que, através de uma política social articulada a uma política econômica inclusiva e mobilizadora, o Estado garante os direitos fundamentais.
5. Ruptura pela construção de dignidade, soberania e integração latino-americana.
O “sumak kawsay” propõe a incorporação da natureza na história, não como fator produtivo nem como força produtiva, mas como parte inerente ao ser social. Os seres humanos fazem parte da natureza. Como princípios e imperativos, o bem viver exige priorizar a vida, construir o consenso; respeitar as diferenças como complementaridade; levar uma vida equilibrada com todos os seres dentro de uma comunidade e com a natureza, escutar os anciãos.
O cristianismo compreende o bem viver como um bem viver do outro. Lutamos como servos para que ninguém precisa ser servo. Anunciamos o Reino de Deus como libertação da servidão, nos fazendo servos de todos.
Como cristãos podemos compreender a vida boa para todos como sabedoria do Reino de Deus que exige a luta e a contemplação. Essa contemplação nos conduz à ascese que liberta do supérfluo, para que todos possam ter o necessário. Ascese é o protesto contra nossa humilhação como consumidores e contra a exploração e a fome dos outros. O motivo profundo de ascese é solidariedade e participação. Ascese em sua forma individual pode significar conversão e ascese em sua forma comunitária e sociopolítica significa ruptura sistêmica e solidariedade. O bem viver para todos e para sempre, que é memória dos mártires e confessores, existe no horizonte da ressurreição.

Viva a Sociedade Alternativa - Raúl Seixas

Simpósio missiológico: "Vida boa – para todos?”

Entre os dias 18 e 19 de novembro 2010, realizou-se na Universidade de Innsbruck, Austria, um Simpósio Missiológico com a temática: “Vida boa – para todos?”.
Ser feliz, como indivíduo, e viver bem, como ser social em família e sociedade são duas tarefas conjuntas que procuramos cumprir em nossa vida. Parecem duas tarefas contraditórias. No centro da primeira está a felicidade própria do indivíduo, o núcleo da segunda é a moral da sociedade, os costumes e prescrições da cultura, a virtude e a lei da sociedade com seu imperativo categórico. Temos exemplos históricos que mostram, que é possível esmagar o indivíduo pelo coletivo como tempos exemplos do contrário que nos mostram como o indivíduo com sua igualdade e liberdade, que são grandes e perigosas conquistas da modernidade, se impõe à coletividade através de privilégios herdados ou prestígios sociais conquistados. Praticamente todas as lutas sociais representam tentativas de equilibrar felicidade individual e moral social.
O evento foi organizado pelo “Instituto de Teologia Prática” da Faculdade de Teologia Católica (www.uibk.ac.at/praktheol).
A palestra de Paulo Suess sobre ”Teses, experiências e questionamentos para a contribuição de Igrejas e religiões ao bem viver de todos” norteou o Simpósio e seus círculos de discussão. O Simpósio, organizado por ocasião da aposentadoria do titular da cadeira de Teologia Pastoral, professor Dr. Franz Weber, e para homenagear o titular anterior, professor Hermann Stenger, que alcançou, nessa data, com boa saúde seus 90 anos de idade, reuniu praticamente todos os professores de Pastoral e Missiologia de língua alemã.
Para nós, da Escola Missiológica de São Paulo, foi um reencontro particularmente grato. Não só o jubilar, Franz Weber, estudou um ano conosco. Também Franz Helm, que se doutorou com um trabalho sobre Ricci e Acosta (comparação de dois catecismos) em São Paulo, maracou presença e coordenou um dos Workshops. Também o professor Johannes Meier, Mainz, que administrou um curso na então Missiologia da Assunção, se fez presente.
Foto: Missiologia de São Paulo encontrou-se em Innsbruck - Franz Weber, Paulo Suess, Franz Helm.