“Conversão Pastoral” (DAp 370) como participação dos pobres

1º DOMINGO DE ADVENTO

“Prestem atenção! Não fiquem dormindo, porque vocês não sabem quando vai ser o momento. Vai acontecer como a um homem que partiu para o estrangeiro. [...] Se ele vier de repente, não deve encontrá-los dormindo. O que eu digo a vocês, digo a todos: Fiquem vigiando” (Mc 13,33ss).
Advento é um tempo importante para a “conversão pastoral” que o Documento de Aparecida propõe. A seguir, uma observação e uma proposta.

Observação

A base da Igreja é o povo, sobretudo os pobres. Eles sustentam a Igreja com a sua fé, sua imagem, seu sacrifício e sua lucidez. Quando a Igreja faz coletas através de seus grandes organizmos ou eventos de solidariedade (Caritas, Campanha da Fraternidade, Adveniat, Misereor) mostra as imagens de pobres nas favelas, índios fora de suas aldeias, doentes sem leito em hospital, prisioneiros em condições sub-humanas e crianças ameaçadas. Nos dias da coleta, essas imagens representam um apelo à misericórdia e generosidade da população. Quando essa mesma Igreja estabelece prioridades pastorais, emite normas de conduta e regras litúrgicas, nunca pergunta um daqueles cuja imagem serviu para a coleta. É óbvio, que a voz do povo não pode ser comparada, sem mais nem menos, com a voz de Deus. Mas é óbvio, que tampouco a voz dos que decidem as prioridades e normas representa, sem mais nem menos, a voz de Deus.

Proposta

O Vaticano II nos lembrou de um tópico teológico por muito tempo esquecido: o sacerdócio comum dos fiéis (Lumen gentium 10.2). Que tal, antes de reestruturar dioceses e cúrias, antes de fechar questões essenciais para os fieis, como por exemplo, o acesso à Eucaristia, perguntar os atingidos? Que tal, antes de distribuir o dinheiro nas dioceses para a atividade pastoral, reler o que Aparecida disse. A opção pelos pobres “está implícita na fé cristológica” (DAp 392), portanto é algo essencial para a nossa fé. E essa opção pelos pobres, diz Aparecida, por ser preferencial “deva atravessar todas as nossas estruturas e prioridades pastorais” (DAp 396).
“Prestem atenção”! Fiquem de olho naqueles que sustentam a Igreja e naqueles que a dirigem! Não permitam que haja duas Igrejas, a dos pobres e caçadores de recursos e a dos supervisores doutrinários que determinam o destino dos recursos!

Líder indígena Paulo Apurinã é preso por desacato pela PF ao embarcar em voo com cocar

Muita falta de absurdo...


Por estar carregando um cocar, o líder indígena Paulo Apurinã foi barrado por um fiscal do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) quando tentava entrar na área de embarque do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes.  Após discutir com policiais federais, ele acabou detido por desacato, algemado e levado à sede da Superintendência da Polícia Federal (PF) no Amazonas, por volta de 13h30.

[A reportagem é de Monica Prestes e publicada pelo jornal A Crítica, Manaus, 24-11-2011.]


Sociedade convivial e economia de baixo carbono

Como passar das energias do desespero

 às energias renováveis do decrescimento convivial?


 “A energia é uma das causas da destruição da convivialidade na sociedade moderna. É preciso sair desse consumo massivo de energia”, constatou o economista e sociólogo francês Serge Latouche, na noite desta quarta-feira, 23 de novembro, na Unisinos.
Segundo Latouche, a publicidade “nos deixa insatisfeitos com o que temos para desejar o que não temos”. E deu como exemplo o celular: “Há 20 anos ninguém precisava dele. Hoje, tornou-se uma droga, somos toxicodependentes de produtos que são criados”. E o marketing alimenta a ilusáo: 1) do desejo de consumir, criado pela publicidade, deixando-nos insatisfeitos com o que temos; 2) do crédito, que vai nos permitir satisfazer o que desejamos hipotecando o futuro, mesmo sem renda, sem trabalho e sem patrimônio; 3) da obsolescência programada, ou seja, da necessidade cíclica de substituir os equipamentos a cada determinado período de tempo.
Para o economista, autor de Pequeno tratado do decrescimento sereno (Ed. Martins Fontes, 2009), por muito tempo a sociedade do consumo foi chamada de sociedade de abundância, mas, na realidade, é uma sociedade da escassez. “Só há sociedade de abundância se as necessidades forem limitadas. Se forem ilimitadas, o planeta será destruído antes”, comentou. Assim, a sociedade do decrescimento será necessariamente uma sociedade pós-carbono. Para isso, é preciso renunciar às energias fósseis. Latouche, então, direcionou sua fala a dois pontos principais: 1) como passamos dos sonhos das Luzes de Adam Smith ao pesadelo de Darwin; e 2) como passar das energias do desespero às energias renováveis do decrescimento convivial.
No primeiro ponto, o economista retomou algumas das ideias abordadas em sua primeira conferência, no dia 21 de novembro, no campus de Porto Alegre da Unisinos. Em síntese: nosso imaginário foi colonizado pela economia, por meio de mitos transmitidos pela educação, pelo tempo, pela publicidade. O principal mentor dessa colonização, afirmou Latouche, foi o “príncipe da economia”, Adam Smith, cuja utopia liberal ("amanhã teremos tudo grátis, a abundância está ao alcance de todos") foi compartilhada por todos os pensadores do Iluminismo. Daí nasceu o que os economistas chamam de trickle-down effect, ou seja, um efeito semelhante a  quando a maré sobe, e barcos grandes e pequenos tiram e proveito disso: ou seja, os ricos ficarão cada vez mais ricos, e os pobres ficarão cada vez mais ricos, por sua vez.

No entanto, essa era a utopia. Na prática, os capitalistas se tornam cada vez mais ricos, mas os pobres tornam-se miseráveis, afirmou o economista. Ou, nas palavras de Marx, tornam-se proletarizados. Latouche abordou, portanto, duas grandes mutações do capitalismo que aprofundaram as coisas: a criação do sistema termoindustrial a partir de 1850, com o surgimento das máquinas a vapor movidas a carvão; e o descobrimento de uma nova energia, o petróleo, a partir dos anos 1950, no pós-Segunda Guerra. Sendo muito mais poderoso do que o carvão, ilustrou Latouche, um tanque com 30 litros de petróleo tem a mesma potência que um operário que trabalha em tempo integral durante cinco anos.

 “Totalitarismo soft”
A partir dessas mutações do capitalismo, chegamos à era do “totalitarismo soft”, com um Big Brother muito mais sutil. “Somos engrenagens mais ou menos condescendentes dessa megamáquina, assim como o drogado consente com o sistema da droga”, comparou Latouche. E isso nos leva a viver a sexta grande extinção da história das espécies. O diferencial dessa nova extinção é que ela é provocada pelo homem e, provavelmente, terá o próprio homem como vítima.
Portanto, é preciso passar das energias do desespero às energias renováveis do decrescimento convivial. Por muito tempo, afirmou Latouche, o petróleo foi a energia da esperança, que permitiu os 30 gloriosos anos da sociedade do welfare ocidental, entre 1945 a 1975, e que permitiu a extraordinária produção atual, já que “o software da sociedade capitalista é o acúmulo ilimitado”. Mas, perante o risco de ficar sem petróleo, a sociedade do crescimento passa a recorrer às que Latouche chama de “energias do desespero”: energia nuclear e gás de xisto. A energia nuclear já mostrou por duas vezes na história as suas consequências: em Chernobyl e em Fukushima.
Nesse sentido, afirmou Latouche, é necessária uma mudança de valores, de conceitos, de relações de produção, de estrutura da distribuição, da lógica da globalização. É preciso reconhecer que “só há abundância possível na frugalidade”: e todos os povos tradicionais orientais, africanos, ameríndios sabiam disso (antes que o vírus do crescimento se espalhasse). É preciso passar da “sociedade da escassez e do desperdício” para a “sociedade da prosperidade sem crescimento”, afirmou.

Autolimitação
Ao encerrar, Latouche projetou na tela a imagem ao lado. Trata-se da tampa de um poço localizado no maior templo zen do Japão, famoso pelo seu jardim de pedras. A imagem é composta por quatro caracteres e por um meio caractere: a própria boca quadrangular do povo. Esses caracteres condensam a filosofia zen: “O homem só pode alcançar a satisfação e a felicidade se souber limitar as suas necessidades”. É essa “terceira via” que sinaliza o “caminho de esperança e de verdadeira felicidade para a humanidade”, afirmou Latouche. Para isso, é preciso aprender com a natureza. “As árvores não crescem até o céu. Elas crescem até certo ponto e depois param”. Contentam-se – frugalmente, poderíamos dizer – com aquilo que conquistaram. Não se excedem. Não acumulam. Não desperdiçam.
Portanto, para mudar, sugeriu Latouche, é preciso primeiro indignar-se. Mas também reagir. “Há um outro mundo, e ele está dentro deste mundo”, afirmou, citando Paul Éluard. “O futuro sempre está em gestação no presente, em nós mesmos. Podemos viver de outro modo no mundo em que estamos inseridos”, exortou.
(fonte: Moisés Sbardelotto; texto integral: www.unisinos.br/ihu - Notícias do Dia 24.11.2011)

Cacique Guarani Kaiowá, Nísio Gomes, assassinado

A luta dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul (Brasil) por paz e pelo direito de usufruir de sua terra parece estar longe de acabar. Na manhã do dia 18 de novembro, Tonico Guarani-Kaiowá, membro do Aty Guasu, denunciou, por meio do Programa Kaiowá/Guarani da Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, o massacre praticado no acampamento Tekoha Guaiviry, no município de Amambaí.

Os fatos

Por volta das 6h30 desta sexta, 42 pistoleiros mascarados e fortemente armados invadiram o acampamento e tiraram a vida do cacique Nísio Gomes, de 67 anos, morto com vários tiros de calibre 12 nos braços, pernas, peito e cabeça. Ao se retirarem da comunidade os pistoleiros levaram consigo o corpo do cacique.
Alguns indígenas ainda permanecem no acampamento, mas a maior parte dos 60 Kaiowá Guarani da comunidade fugiu para o mato. Em sua denúncia ao programa da UCDB, Tonico afirmou que alguns pistoleiros ainda permanecem no local cercando o acampamento e impossibilitando o retorno dos que estão na mata. “Estavam todos de máscaras, com jaquetas escuras. Chegaram ao acampamento e pediram para todos irem para o chão. Portavam armas calibre 12”, disse um indígena da comunidade que presenciou o ataque e terá sua identidade preservada por motivos de segurança.
Conforme relato do indígena, o cacique foi executado com tiros na cabeça, no peito, nos braços e nas pernas. “Chegaram para matar nosso cacique”, afirmou. O filho de Nísio tentou impedir o assassinato do pai, segundo o indígena, e se atirou sobre um dos pistoleiros. Bateram no rapaz, mas ele não desistiu. Só o pararam com um tiro de borracha no peito. Na frente do filho, executaram o pai.

Última palavra

Cacique Nísio Gomes (Foto: Survival)
“Vocês não deixem esse lugar.  Cuidem com coragem essa terra. Essa terra é nossa. Ninguém vai tirar vocês...Cuidem bem de minha neta e de todas as crianças. Essa terra deixo na tua mão (Valmir). Guaiviry já é terra Indígena”. Nestes termos se expressou o nhanderu Nisio, baleado, agonizante. Conforme relato feito aos membros do Conselho Aty Guasu, deram três tiros em Nisio – nas pernas, no peito e na cabeça. Jogaram o cacique na carroceria da camionete. De acordo com o kaiowá Valmir, filho de Nísio, uma mulher e uma criança também foram assassinados e seus corpos levados por uma caminhonete de cor cinza. Ao tentar apurar o fato, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) recebeu informações de que, além dos assassinatos, dois jovens e uma criança haviam sido sequestrados, no entanto, ainda não há informações precisas já que a comunidade está apreensiva e abalada com o fato.

Contexto

Desde o dia 1º de novembro, os indígenas decidiram desmontar o acampamento onde viviam às margens de uma rodovia e ocupar uma parte do seu tekoha Kaiowá. O Território Indígena de ocupação tradicional da etnia está sob poder das fazendas Chimarrão, Querência Nativa e Ouro Verde. Cerca de duas semanas depois da retomada do território a comunidade começou a ser cercada.
Os Guarani Kaiowá somam hoje cerca de 45 mil indígenas e ocupam pouco mais de 40 mil hectares. De acordo com levantamento do Conselho Indigenista, 98% da população indígena do estado vive em apenas 0,2% do território do Mato Grosso do Sul. A falta de terras é apontada como o principal desencadeador de situações de violência como homicídios e ataques a comunidades, além de problemas sociais como suicídio de jovens e altos índices de mortalidade infantil.

Manifesto
Polícia federal, força nacional, especialistas foram ao local da execução brutal do nhanderu Nisio Gomes, no tekohá Guaiviary, no amanhecer do dia 18 de novembro. Sangue Guarani Kaiowá no chão. A diocese de Dourados, através de seu bispo D. Redovino, em Manifesto declara “Ao mesmo tempo em que lamenta profundamente o novo ataque perpetrado contra os povos indígenas, a Igreja Católica presente na Diocese de Dourados renova seu pedido às autoridades civis, judiciárias e militares para que, de uma vez por todas, recorram a todos os meios para pôr fim uma situação que a todos nos envergonha e oprime, e pede perdão às vítimas de tamanha injustiça e violência, cometida, provavelmente, por pessoas que se dizem cristãs...”

Os Guarani Kaiowá vivem numa situação que necessita atitudes - além de Manifestos de longa distância!


[Fontes: Cimi (Egon Heck e Renato Santana), Adital (Natasha Pitts)]

Sobre “desenvolvimento insustentável” e “decrescimento indispensável”

''Precisamos nos livrar da palavra desenvolvimento, mesmo que ela venha acompanhada do adjetivo sustentável''. Entrevista especial com Carlos Alberto Pereira Silva

Voltar às origens?

O conceito de decrescimento surge “diante do desafio da mudança nos rumos da civilização ocidental”, esclarece o pesquisador Carlos Pereira à IHU On-Line. Pensar outro modelo de desenvolvimento econômico, social e político requer transformações de hábitos adquiridos há séculos e intensificados desde o surgimento do capitalismo. Defensor da premissa ecoantropocêntrica, o pesquisador ressalta a necessidade de enxergarmos a “Terra e os outros seres vivos também como centro do mundo. A partir daí, ao interiorizarmos essa premissa ecoantropocêntrica, veremos que a nossa espécie é integrante de uma ampla comunidade de vida e terminaremos por concluir que o mundo não nos pertence”.

 Confira trechos da entrevista [na íntegra em, Notícias diárias, 16.011.2011: http://www.ihu.unisinos.br/]


IHU On-Line – Na audiência sobre “Decrescimento: Por que e como construir”, realizada no início do mês de setembro na Subcomissão Permanente de Acompanhamento da Rio+20 e do Regime Internacional sobre Mudanças Climáticas da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional – CRE, o senhor condenou o desenvolvimentismo que leva a um consumo de recursos naturais acima da capacidade do planeta. Que alternativas encontra e sugere para o consumo moderado dos recursos naturais?
 
Carlos Alberto Pereira Silva – Diante da crise civilizatória multidimensional, potencializada pela expansão do desenvolvimento, as alternativas para a emergência de um consumo parcimonioso das riquezas naturais estão vinculadas à superação da insensata aposta no crescimento econômico ilimitado. Para que haja a propagação de modos de vida frugais, faz-se necessário que ocorra o questionamento do desenvolvimento predatório, excludente e consumista. Para isso precisamos nos livrar da palavra desenvolvimento, mesmo que ela venha acompanhada do adjetivo sustentável. Portanto, a superação do consumismo desenfreado existente em nossa época, na qual quase tudo é efêmero, supérfluo e descartável, exige uma profunda mudança nos valores, ideias e atitudes ainda predominantes na cultura ocidental. E isso exige uma verdadeira metamorfose cultural. Podemos iniciar essa metamorfose insurgindo contra os estímulos ditados pelas grandes corporações desenvolvimentistas, que são indutoras da compulsiva conjugação dos verbos modernizar, desenvolver, competir, lucrar, consumir, crescer, ostentar, aparecer, acumular, substituir e descartar.

IHU On-Line – Na mesma audiência, o senhor discutiu formas de conduzir a humanidade a um padrão de redução de crescimento. Que padrão seria esse e qual a sua viabilização? Quais benefícios trariam para nossa sociedade?

 Carlos Alberto Pereira Silva – Acredito que, na busca da superação do desenvolvimento, não devemos tentar estabelecer matematicamente um “padrão de redução do crescimento” para que possamos construir um mundo melhor. Para além do estabelecimento de qualquer padrão, é fundamental que incorporemos o “princípio responsabilidade”, esboçado por Hans Jonas, que diz: “aja de modo que os efeitos de sua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana na Terra”.

IHU On-Line – Em sua opinião, a lógica desenvolvimentista da nossa cultura está assumindo uma posição errada? Por quê? Que pontos deveriam sofrer modificações?

 Carlos Alberto Pereira Silva – A lógica apontada pelo desenvolvimento é essencialmente errada porque em seu interior está contida a insensata promessa de continuidade do crescimento econômico num mundo em que as riquezas naturais são finitas. Para iniciarmos uma mudança de rumos, compatível com os limites impostos pela biosfera, devemos descolonizar o nosso imaginário, ainda dominado pela crença nos supostos benefícios gerados pelo desenvolvimento. Para isso é necessário introjetarmos a ideia de que uma vida melhor independe do aumento da produção e do consumo de bens materiais. Certamente, ao interiorizarmos essa ideia, questionaremos as bases fundamentais do desenvolvimento e passaremos a adotar práticas socioambientais convergentes como os verbos redistribuir, reduzir, desmercadorizar, diminuir, reciclar, reutilizar, desmercantilizar, redistribuir, perenizar, reaprender e reencantar.

IHU On-Line – O senhor defende uma ética “ecoantropocêntrica”, lembrando que as pessoas fazem parte de uma comunidade de vida mais ampla e dividem espaço com muitas espécies. O senhor também defende que falta um “egoísmo inteligente”, no qual o cuidado com outras espécies seja visto como defesa da própria espécie humana.


Tarcila do Amaral

Carlos Alberto Pereira Silva – Nós ainda estamos vivendo em conformidade com a ética antropocêntrica que, ao afirmar a premissa de ser o homem o centro de tudo o que existe, contribui para arraigar a convicção de que o mundo foi feito para a espécie humana. A origem dessa compreensão está estampada na narrativa judaico-cristã sobre a criação do universo na qual, conforme o relato bíblico, Deus teria ordenado ao homem: “enchei a terra e sujeitai-a [...]”. Acolhida entusiasticamente pela cultura ocidental, essa sentença foi incorporada ao conhecimento científico moderno através das palavras de Francis Bacon que deixou como legado este conselho: “devemos subjugar a natureza, pressioná-la para entregar seus segredos, amarrá-la a nosso serviço e fazê-la nossa escrava”. É fundamental que passemos a enxergar a terra e os outros seres vivos também como centro do mundo. A partir daí, ao interiorizarmos essa premissa ecoantropocêntrica, veremos que a nossa espécie é integrante de uma ampla comunidade de vida e terminaremos por concluir que o mundo não nos pertence. [...] Acredito que iremos implementar ações preenchidas pelo egoísmo inteligente que alicerça-se no sincero princípio de que o cuidado com Terra e os outros seres vivos significa uma tentativa, quiçá vã, de cuidarmos de nós mesmos.

IHU On-Line – O senhor aposta na valorização dos saberes das populações indígenas e iletradas como alternativa à lógica desenvolvimentista, que pode estar ligada ao culto, ao corpo e à violência. De que maneira podemos criar políticas públicas que deem conta desta alternativa?

Tortura sustentável do Planeta Terra
 Carlos Alberto Pereira Silva – Para construirmos sociedades possibilitadoras da emergência de uma vida autêntica, precisamos ter a humildade de aprender com muitas populações iletradas que são portadoras de saberes indispensáveis a uma vida melhor. Temos que reconhecer, como diz a pesquisadora dos “saberes da tradição”, Maria da Conceição de Almeida, que além da ciência “existem outras formas de conhecer que se perdem no tempo e no anonimato porque não encontram espaços e oportunidade de expressão”. Daí porque, para que possamos lutar pela implementação de políticas públicas que contemplem os legítimos anseios das populações que ainda não foram tocadas pela uniformização avassaladora do desenvolvimento ocidental, necessitamos primeiramente reconhecer a pertinência dos múltiplos saberes ancestrais. Reconhecendo a pertinência dos saberes das populações iletradas, certamente contribuiremos com o fortalecimento das lutas em prol da demarcação de terras indígenas e da valorização do saber/fazer de seringueiros, pescadores e roceiros.

Ao constatar que o desenvolvimento possui a capacidade de transformar quase tudo em bens consumíveis, percebo que a incansável busca do corpo perfeito também está vinculada à reprodução da sociedade do crescimento fundada no ter sobre o ser. No atual contexto, onde o desejo do corpo perfeito tornou-se uma nova utopia, a indústria da beleza e da “boa forma” tem aumentado a sua riqueza com a manutenção da pobreza espiritual das consumidoras e consumidores dos seus produtos.

Concomitantemente à disseminação da corpolatria, a existência de vínculos entre a lógica desenvolvimentista e o crescimento da violência física e simbólica em nossas sociedades explicita-se quando verificamos que, em nome do desenvolvimento, o valor das pessoas é medido pelo que elas possuem e não pelo o que elas são. Assim, assentado na concorrência e no individualismo, o desenvolvimento cinde as sociedades através da imposição do lema “salve-se quem puder”, contribuindo decisivamente para a propagação da cultura da violência.

[Carlos Alberto Pereira Silva é graduado em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília – UnB e doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.]

Encontro do COMINA: "Jesus exige dos seus discípulos muito mais do que decorar catecismos", afirma Paulo Suess

Preparação do
"Terceiro Congresso Missionário Nacional": Discipulado Missionário, do Brasil para o Mundo secularizado e pluricultural, à Luz do Vaticano II 

Jaime Carlos Patias
da Revista Missões

 
O santo, o bispo e o teólogo
O teólogo do Conselho Indigenista Missionário - CIMI, padre Paulo Suess, assessora o encontro anual do Conselho Missionário Nacional – COMINA, que acontece neste fim de semana, (dias 11 a 13) na sede das Pontifícias Obras Missionárias - POM, em Brasília - DF. “Discípulos são aprendizes do Mestre, estão numa relação de proximidade e empatia com ele, seguem seu caminho e seus ensinamentos”, destacou Paulo Suess ao abordar o tema “Discipulado Missionário do Brasil para o mundo à Luz do Concílio Vaticano II e do magistério latino-americano”, reflexão que servirá de iluminação para o 3º Congresso Missionário Nacional – CMN, a ser realizado nos dias 12 a 15 de julho de 2012, em Palmas-TO.
Para o teólogo, o que caracteriza o discípulo é a permanente busca de conformidade com o Mestre. “O discipulado dos seguidores de Jesus vai além de aprendizes da ‘Torá’ ou do catecismo. O discípulo obedece ao chamado de Jesus imediatamente, sem ponderar condições ou exigir prazos para concluir obras piedosas”, argumentou.
Com base em citações bíblicas, Paulo Suess destacou traços da identidade de Jesus, tais como: “Eu sou o pão da vida, a luz do mundo, a porta, o bom pastor, a videira, o Caminho, a Verdade e a Vida, a ressurreição e a vida”, entre outros.
Ao retomar a Conferência de Aparecida (2007), o assessor sublinhou que no seu tema “Discípulos e missionários de Jesus Cristo para que Nele nossos povos tenham vida”, o discipulado foi lembrado “como qualificação de nossos povos e recebeu com grande ênfase a conotação da missionariedade com sua raiz trinitária – enviado no Espírito Santo por Jesus Cristo como ele foi enviado pelo Pai”. Para Paulo Suess “essa missionariedade configura seguimento histórico, despojamento radical e prontidão permanente dos discípulos e discípulas para anunciar o Reino de Deus”.


Na visão do missiólogo, segundo o Documento de Aparecida, para transformar o ser missionário dos membros eclesiais em agir de discípulos missionários precisa-se repensar a “missão nas novas circunstâncias latino-americanas e mundiais e revitalizar nosso modo de ser católico”. Somos “discípulos missionários sem fronteiras (DA 376) que recebem a sua formação na comunidade dos fieis (Igreja) e na realidade, que olhamos com sentido crítico e com gratidão”, complementou.
Paulo Suess, afirmou também que deveríamos assegurar, historicamente, as conquistas do Concílio Vaticano II. “Para trás não podemos voltar. O Vaticano II deu um impulso e temos que avançar além do Concílio”. Lembrou que como referencial para as igrejas locais, o Concílio tem várias interpretações. “Existem duas missiologias, duas eclesiologias e os que nem se quer aceitam o Concílio”, disse. Informou também que, o próprio encontro entre lideranças de várias religiões realizado em Assis, na Itália, é contestado por alguns setores, como a Fraternidade São Pio X “que mandou rezar 1.000 missas em reparação do que considera ‘o escândalo de Assis’”.
As estatísticas sobre o número dos cristãos foi outra questão levantada pelo teólogo. “Por ocasião do Dia Mundial das Missões e do nascimento do habitante que completou o número mágico das 7 bilhões no planeta, no dia 31 de outubro, se escutou lamentos da Congregação pela Evangelização dos Povos sobre os 5 bilhões de pessoas que ainda não conhecem Jesus Cristo”, observou. Esta preocupação com o número de cristãos, segundo o teólogo, “é utilizada como pretexto para reforçar uma ação missionária que por vezes se aproxima ao fundamentalismo, numa Igreja que mal consegue segurar os que já conhecem Jesus”.


A seguir, Paulo Suess elencou os ensinamentos essenciais do Vaticano II como ponto de partida para uma caminhada histórica: 1) a natureza missionária da Igreja; 2) a centralidade da Palavra de Deus; 3) a centralidade do Reino; 4) a Igreja como Povo de Deus; 5) a opção pelos pobres e outros; 6) inculturação e liberação; 7) a salvação Universal; 8) sinais de justiça e imagem de esperança; 9) a liberdade religiosa; e 10) o diálogo ecumênico, intercultural e interreligiosa.
Por fim, o assessor refletiu específicamente sobre a Missão “Do Brasil para o mundo”. O Vaticano II marca universalmente uma reestruturação da consciência eclesial. “Como configurar, a partir do Brasil, o dom da fé para o mundo dividido por desigualdades sociais e pelo não reconhecimento do outro?”, questionou, para em seguida afirmar: “Não é por causa de nossa grandeza e riqueza, que somos maiores que todos os outros, ou vamos ser uma graça para o mundo. Como discípulos missionários daquele que se fez tão pequeno que coube no presépio, a relevância do Brasil para o mundo não está na sua potencialidade assustadora, mas na sua pequenez e fraqueza: ‘quando sou fraco, então é que sou forte’” (2 Co 12,10).
“No mundo que está sob a ditadura da equação custo-benefício, afirmamos que o Reino de Deus, o núcleo essencial do nosso querigma, (anúncio) é um dom. A rigor, não somos seus construtores, apenas seus facilitadores”, concluiu.

A terra – um trem superlotado

Consenso dos cientistas: Dez bilhões de habitantes é o limite' para o mundo


A população mundial está crescendo em uma velocidade jamais vista. Segundo a ONU, chegou a 7 bilhões no início desta semana. Em 2050, este número deve alcançar 9,3 bilhões.
"No momento, os ricos têm padrões absurdos de consumo, e as diferenças entre os setores mais ricos e os mais pobres estão cada vez maiores mesmo nos países em desenvolvimento". O comentário é de Edward Wilson, biólogo, professor da universidade de Harvard, em artigo publicada pela BBC Brasil.
 Eis o artigo.
É absolutamente crucial agora monitorar de perto o crescimento da população humana. De fato, estamos acelerando, com a estimativa de 9 bilhões em 2043, acima do que se esperava anteriormente a partir de análises de população feitas pelas Nações Unidas.


Dez bilhões é o limite a que deveríamos nos ater. Podemos fazer isso, e pelo menos as tendências apontam na direção certa, com quedas nos índices de natalidade em todos os continentes. Mas deveríamos nos esforçar mais para ao mesmo tempo nos afastarmos da opressão às mulheres e de gestações indesejadas. Ainda mais importante que isso, deveríamos estar pensando de forma mais criativa sobre a questão do crescimento do consumo per capita no futuro em todo mundo.
Este aumento vai ser devastador e certamente será necessário tratar disso de forma a se alcançar sustentabilidade na alimentação e provisão de níveis decentes de moradia ao redor do globo. Isso não parece realmente estar na agenda mundial de forma a causar impacto nos países e nas pessoas mais atingidas pelo problema.
Estou particularmente preocupado com o que estamos fazendo com outras formas de vida. Estamos destruindo a diversidade biológica, que consiste de ecossistemas e das espécies que os habitam.
O perigo de sermos 'mais ou menos verdes'
Parte do nosso problema é que ao se tornar "mais ou menos verde", a população mundial tem se concentrado nas partes não vivas do meio ambiente, nos recursos naturais, na qualidade da água, na atmosfera, mudança climática e outros.
Até aí tudo bem, mas agora, deveríamos estar dando igual atenção à parte viva do meio ambiente - os ecossistemas que sobrevivem e a grande maioria das espécies, que têm milhões de anos e estão em pleno processo de erosão.
Gostaria que déssemos mais atenção à criação de reservas e parques naturais em todo mundo. Em alguns lugares isso vem acontecendo, aleatoriamente, mas não da forma necessária.
Realmente precisamos separar mais regiões em que a natureza, o resto dos seres vivos possam ser protegidos, enquanto resolvemos os problemas da nossa espécie e nos ajustamos antes de destruir toda a Terra.
Opções para o próximo século
Ou sairemos deste século e entraremos no século XXII com um planeta em condições muito ruins e com muito menos condições de abrigar vida ou sairemos dele com a maior parte das outras formas de vida preservada e com o potencial para reconstruir a natureza de forma a dar à Humanidade uma chance real de viver no paraíso, com níveis de vida decentes para todos.
Não podemos esperar que os países em desenvolvimento criem programas de produção e consumo sustentáveis enquanto os países desenvolvidos não larguem na frente e mostrem o caminho. No momento, os ricos têm padrões absurdos de consumo, e as diferenças entre os setores mais ricos e os mais pobres estão cada vez maiores mesmo nos países em desenvolvimento.
Essa é uma tendência muito perigosa. Precisamos dar o exemplo nos países desenvolvidos adotando, no mínimo, medidas de limitação do consumo e uma distribuição mais inteligente da riqueza.