Documento recuperado após décadas aponta crimes contra índios


Com 7 mil páginas, 'Relatório Figueiredo' relata mortes e maus-tratos. Material será analisado pela Comissão Nacional da Verdade.
 Eduardo Carvalho

 
 
Sobrevivente Cinta-Larga
Relatório elaborado no fim da década de 1960 que apontava irregularidades existentes no antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) – órgão que antecedeu a Fundação Nacional do Índio (Funai) – e que denunciava atrocidades cometidas contra povos indígenas em vários estados do país, foi encontrado no Rio de Janeiro, após décadas desaparecido.
Conhecido como “Relatório Figueiredo”, foi preparado pelo então procurador Jader de Figueiredo Correia a pedido do extinto Ministério do Interior, a partir de 1967, e apresentado um ano depois. Sua divulgação causou grande repercussão nacional e internacional devido ao seu conteúdo.
Com quase 7 mil páginas, o documento denuncia atividades ilícitas praticadas por funcionários do SPI, órgão federal fundado em 1910, como atos de corrupção, e expõe casos de maus tratos a indígenas, prisões, assassinatos e escravidão.
Para elaborá-lo, Figueiredo e sua equipe de técnicos percorreram estados como Mato Grosso, Rondônia, Pará, Goiás, além de áreas das regiões Sudeste e Sul.
De acordo com Carlos Augusto da Rocha Freire, doutor em antropologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador da história do indigenismo há 30 anos, o calhamaço histórico foi encontrado no começo do ano, por acaso, pelo vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e coordenador do Projeto Armazém Memória, Marcelo Zelic.
Freire conta que o material, que ele está estudando e ajudando a recuperar para inserir no acervo do Museu do Índio, no Rio, ficou muito tempo perdido em Brasília. Esquecido após sua divulgação, ocorrida no fim de 1968, que culminou na demissão e abertura de investigações contra funcionários do SPI, o documento ficou na capital federal até 2008.
 
Distribuição de brindes aos índios kuikuro pela equipe do Serviço de Proteção ao Índio (Foto: Divulgação/Museu do Índio).
 
 
 
Naquele ano, 150 caixas foram transferidas com este documento e outros para o arquivo do Museu do Índio. Assim que descobertas, as páginas deterioradas pelo tempo foram digitalizadas pela equipe da instituição.
 
Análise pela Comissão da Verdade


 
 


Tortura do Índio
“É um relatório complexo, porque ao mesmo tempo em que ele relata muitas violações aos povos indígenas, foi elaborado em plena ditadura militar. Ao mesmo tempo em que ele tem muitos relatos importantes de violações contra indígenas, ele também tem acusações contra funcionários que estavam protegendo indígenas, mas que podiam estar contra o interesse, digamos, de garimpeiros ou latifundiários que eram amigos do governo. É um relatório que vai nos dar muito trabalho”, afirmou na terça-feira (23), a psicanalista Maria Rita Kehl, integrante da CNV. Ela acrescentou que a comissão ainda não teve tempo para analisar detalhadamente o conteúdo do documento.
Mortes no interior do Brasil
O antropólogo Freire aponta que o relatório resultou de investigações iniciadas em 1963 contra o quadro de funcionários do SPI. A pedido do então ministro do Interior, general Afonso Augusto de Albuquerque Lima, o procurador preparou o texto com relatos de situações graves, em uma época considerada difícil para os índios no país.
 
 
O antropólogo explica que o avanço econômico entre as décadas de 1950 e 1960 sobre regiões como a Amazônia, com a construção de rodovias que cortavam terras indígenas, levaram conflitos para o interior do Brasil. "Povos isolados eram colonizados devido ao interesse econômico. Interesses privados financiavam formas de afastar os índios", afirmou.
Como consequência disso, ele cita, por exemplo, mortes em massa de índios cintas-largas em Mato Grosso, no ano de 1963, que foram apontadas no relatório e chamadas de "Massacre do Paralelo 11". De acordo com o documento, na época, fazendeiros invadiram aldeias, mataram índios com comida envenenada, dinamites, espalharam doenças ou roupas contaminadas para afetar a população que vivia em diversas aldeias.
 
Nos anos 1960, os cintas-largas, assim como vários outros grupos indígenas, foram vítimas da abertura da fronteira agrícola e das políticas de incentivo à exploração dos recursos naturais, que visavam principalmente a ocupação da região Norte do país. Nessa época, esses povos eram tidos como empecilhos ao desenvolvimento, o que motivou o extermínio de comunidades indígenas inteiras. Após o Massacre do Paralelo 11 (1963), como ficou conhecida a destruição de aldeias cinta-largas em Mato Grosso, a mando do seringalista Antônio Junqueira, o estado brasileiro foi, pela primeira vez, denunciado internacionalmente por genocídio.
 

Em um dos casos mais emblemáticos, segundo Freire, uma índia foi amarrada em uma árvore de cabeça para baixo e seu corpo foi partido ao meio. “Centenas morreram no massacre. O trabalho de Figueiredo recuperou os fatos da época para mostrar o que ocorria com os índios”, explica Freire.
Cadeias indígenas
O antropólogo afirma também que o relatório narra invasões a aldeias no Pantanal por fazendeiros, más-condições sanitárias de crianças índigenas que viviam no Rio Grande do Sul e uma “explosão” de cadeias clandestinas voltadas a esta população.

Segundo ele, o documento aponta que muitos dos postos indígenas do SPI foram adaptados e transformados em cadeias para índios que, para os administradores locais, mereciam ser punidos. “Eles faziam com que os índios ficassem aprisionados em celas montadas nos escritórios”, afirma.
 
Cinta-Larga expulsam garimpeiros
Havia, inclusive, “centrais” implantadas nas cidades paulistas de Tupã e Braúna, chamadas respectivamente de Vanuíre e Icatú, que recebiam “índios infratores” de diversas partes do país. “Isso existia desde a década de 1930. Os indígenas eram recolhidos por terem praticado algum delito. Mas a consequência desse aprisionamento deve ter sido muito pouco documentada”, explica.
"Tudo que se escrevia sobre os índios naquele momento demonstrava que essa população se encaminhava para a extinção. Isso só é revertido na década de 1990, depois de um longo processo, com aumento demográfico pelo país de indígenas. Há uma recuperação", finaliza Freire.
 
[fonte: G1, São Paulo, 27.04.2013]

 

Voz indígena no seminário “Catequese, Protagonismo Indígena e Inculturação”, Manaus.



Pe. Justino Sarmento Rezende –
Tuyuka, do Rio Negro


Justino Sarmento Rezende –
Tuyuka, do Rio Negro

 Amigo e amiga! Cada dia é um novo dia!
Cada dia é o presente mais bonito que recebemos do Criador.
O dia por si mesmo é divino, misterioso e lindo!
Cada dia é plenitude de nossa vida,
Nesse lindo dia, Pe. Luiz Alves de Lima,
Abrilhantou falando-nos entusiasmadamente sobre a Iniciação à Vida Cristã.
Fez ressoar a mensagem sobre as histórias das catequeses em nossos corações indígenas e corações missionários.
A Iniciação Cristã não nasceu originalmente em meio aos povos indígenas.
As Iniciações Indígenas, sim, nasceram das culturas indígenas.
O desafio agora é facilitar o enamoramento da Iniciação Cristã com as Iniciações Indígenas.
Um dia elas vão se casar e ter muitos filhos, netos, bisnetos.
A vivência da Iniciação Cristã para nós indígenas é bem complicado.
A Igreja que chegou com os missionários europeus complicou as nossas vidas.
Agora temos que descomplicar nossas histórias atuais.
Dentro de nossas culturas indígenas já existe o Bem – Sementes do Verbo.
Muitos missionários deram suas vidas em favor das vidas indígenas.
O mundo está mudando cada momento. Nós também mudamos.
A descristianização e a secularização nos atingem, enfraquecem nossa fé.
Devemos superar as falhas de nossas práticas de fazer a catequese,
Os processos ou itinerários de Iniciação Cristã poderão nos ajudar nas práticas.
É um processo exigente, prolongado, de acolhimento dos segredos da fé; da vida revelada em Cristo Jesus e celebrada na Liturgia.
Depois da Iniciação à Vida Cristã veio o tema sobre o diálogo inter-religioso, intercultural e Teologia Índia.
Quem nos falou do fundo do coração foi um indígena, nosso parente, indígena Zapoteca, do México, Pe. Eleazar Lopez.
Abriu o seu coração e as suas histórias diante de nós, seus parentes e seus amigos, amigas.
Contou-nos que nas histórias da Igreja nós indígenas fomos muito discriminados e marginalizados.
Os missionários antigos pensavam que entre nós o Senhor Deus não estava! O que estaria entre nós? Os males, o diabo!
De algumas décadas para cá a Teologia Índia vem procurando mostrar para Teologia oficial que Deus já estava conosco.
Mas a Teologia oficial fica desconfiada.
É importante entrar nas culturas indígenas e encontrar Deus lá.
Deus não está longe das culturas indígenas, mas está dentro,
Ele está ai dentro dando vida para todos.
Quando os medos da Igreja nos atingem, vivemos no Bilinguismo Religioso, isto é, somos cristãos e em outros momentos somos apenas indígenas.
Os estudiosos começam a pensar: onde está o indígena e onde o cristão?
Há tentativa de juntar o cristão e o indígena.
O desafio para a Igreja-Instituição é aprender a dialogar com os diferentes, com os indígenas.
O barco de não diálogo não tem futuro, vai fracassar, vai afundar!
Para a sociedade ocidental, Deus é só homem.
Para os povos indígenas Deus é feminino, também.
Que tal falar de Deus Casal?
Casal que tem filhos e filhas!
Mas com paciência vamos influenciado e contribuindo com a nossa Igreja.
Pe. Paulo Suess disse que o essencial das culturas indígenas e vida cristã é a VIDA, O AMOR.
Cada povo vai criar maneiras próprias de amar, amar, amar.
A essência de Deu é o Amor: Deus nos Ama, Deus defende nossa vida.
Pe. Eleazar mostrou a grande capacidade indígena de criar e recriar as novenas, procissões... Ai vive as suas devoções.
Aqui precisamos ser respeitados e respeitar as diversidades culturais.
Não precisamos anular, deletar as diferenças.
Com as diferenças e dentro das diferenças é que nós vamos construir a vivência fraterna, a vida no amor.
É isso que nós e o mundo precisamos!


Também Dom Edson entrou na dança dos índios

Manaus acolhe Seminário Nacional de “Catequese e Povos Indígenas”



Por Jaime C. Patias/colab. Ir. Dirce

“Catequese, protagonismo indígena e inculturação” é tema do III Seminário Nacional de Catequese e Povos Indígenas, que acontece entre os dias, 25 e 28 de abril, no centro de Treinamento Maromba em Manaus (AM).
Promovido pela Comissão Episcopal Pastoral Biblico-Catequese da CNBB, em parceria com as Comissões Episcopal Pastoral para a Ação Missionária e Cooperação intereclesial e Comissão para a Amazônia, o Seminário conta também com a coordenação da equipe de Catequese do Regional Norte 1 e da CNBB e a presença de assessores do Cimi (Êdna, Rebeca, Nello, Vanildo e Paulo).

Participam cerca de 80 pessoas de diversos Regionais, entre as quais, diversas lideranças indígenas de povos como, Makuxis, Tukanos, Wapixana e Tarianos. As conferências e debates destacam a finalidade da catequese no contexto histórico e social dos povos indígenas hoje, sendo que, padre Paulo Suess, assessor teológico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), reflete sobre a dimensão catequética na Pastoral indigenista; padre Raimundo Possidônio apresenta “o cenário catequético da história da Missão”, e o padre mexicano Eleazar Lopez reflete sobre o “dialogo inter-religioso e intercultural e a teologia índia”.



A programação prevê debates, diálogos e interação em seis oficinas, com os temas: “Bíblia e catequese indígenas”, trabalho coordenado pela Irmã Téa Frigerio; “Ritos e mitos Indígenas”, com padre Bartolomeu Giaccaria; “Inculturação na Catequese Indígenas”, liderado pelo padre Justino, indígena do povo Ticuna; “Espiritualidade e catequese Indígenas”, com Irmã Rabeca Spires; “Catequese e protagonismo Indígenas”, com padre Nello Ruffaldi e “Evangelização e Catequese, entre os indígenas da cidade”, com padre Roberto, OMI.
Segundo os organizadores, o Seminário realizado com a participação ativa de lideranças indígenas, pretende escutar os próprios indígenas, na busca de intensificar a missão e a catequese a partir deles, conforme afirmam as próprias Diretrizes Gerais da CNBB, “na perspectiva de uma evangelização cada vez mais inculturada pelas atitudes de serviço, do dialogo, do testemunho” (n. 79).


Dia Internacional da Mãe Terra


A proclamação do 22 de abril como Dia Internacional da Mãe Terra supõe o reconhecimento de que a Terra nos proporciona o sustento ao longo de nossa existência, além de reconhecer a responsabilidade que temos de promover a harmonia com ela a fim de alcançar um equilíbrio entre as necessidades econômicas, sociais e ambientais das gerações presentes e futuras.

Cidade do Vaticano (RV) – 500 milhões de pessoas, em 85 países, celebram nesta segunda-feira, 22, o Dia da Terra, também conhecido como “O Dia Internacional da Mãe Terra”. A data criada para lembrar a importância do Planeta Terra e para que todos possam refletir sobre o que podem fazer para ajudá-la a se conservar.

É a oportunidade para refletirmos sobre todos os problemas que o nosso planeta anda sofrendo. Além disso, é uma oportunidade ótima para mostrar que todos nós somos responsáveis pela conservação de nosso planeta.

Neste dia, no ano de 1970, o senador estadunidense, Gaylord Nelson, convocou o primeiro protesto nacional contra a poluição. Na ocasião, mais de 20 milhões de pessoas nos Estados Unidos foram às ruas para protestar em favor de um planeta mais saudável e sustentável, preocupadas com a visível degradação planetária. O evento foi criado em meio ao movimento hippie nos EUA, depois de um grande vazamento de óleo na Califórnia.

Desde sua instituição, a data tem um caráter de manifestação e a partir de 1990, o Dia da Terra passou a ser adotado em vários países, tornando-se evento internacional.

"Aprender é construir, reconstruir, constatar para mudar". (Paulo Freire)

"O Dia Internacional da Mãe Terra é uma chance de reafirmar nossa responsabilidade coletiva para promover a harmonia com a natureza em um tempo em que nosso planeta está sob ameaça da mudança climática, exploração insustentável dos recursos naturais e outros problemas causados pelo homem. Quando nós ameaçamos nosso planeta, minamos nossa própria casa - e nossa sobrevivência no futuro", diz mensagem do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

 

 Nesse contexto, é importante ressaltar que, de acordo com o Sistema das Nações Unidas na Bolívia, o país conta com alto índice de pobreza e pobreza extrema apesar de que, nos últimos anos, esta diminuiu proporcional e significativamente. A Bolívia possui abundantes recursos naturais, sendo um dos países mais megadiversos do mundo. No entanto, esses recursos encontram-se ameaçados pela expansão de fronteira agrícola, pela construção de mega obras e megaprojetos, como hidrelétricas, além das mineradoras e hidrocarboníferas, entre outras.

 

Em defesa dos direitos indígenas e quilombolas, pela rejeição da PEC 215


 
 

Nós, bispos do Brasil, reunidos na 51ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, em Aparecida-SP, de 10 a 19 de abril de 2013, manifestamo-nos contra a Proposta de Emenda Constitucional 215/2000 (PEC 215), que transfere do Poder Executivo para o Congresso Nacional a aprovação de demarcação, titulação e homologação de terras indígenas, quilombolas e a criação de Áreas de Proteção Ambiental.

Reconhecer, demarcar, homologar e titular territórios indígenas, quilombolas e de povos tradicionais é dever constitucional do Poder Executivo. Sendo de ordem técnica, o assunto exige estudos antropológicos, etno-históricos e cartográficos. Não convém, portanto, que seja transferido para a alçada do Legislativo.
 

Motivada pelo interesse de pôr fim à demarcação de terras indígenas, quilombolas e à criação de novas Unidades de Conservação da Natureza em nosso país, a PEC 215 é um atentado aos direitos destes povos. É preocupante, por isso, a constituição de uma Comissão Especial, criada pelo Presidente da Câmara para apressar a tramitação dessa proposição legislativa a pedido da Frente Parlamentar da Agropecuária, conhecida como bancada ruralista. O adiamento de sua instalação para o segundo semestre não elimina nossa apreensão quanto ao forte lobby pela aprovação da PEC 215.
 

A Constituição Federal garantiu aos povos indígenas e comunidades quilombolas o direito aos seus territórios tradicionais. Comprometidos com as gerações futuras, os constituintes também asseguraram no texto constitucional a proteção ao meio ambiente e definiram os atos da administração pública necessários à efetivação desses direitos como competência exclusiva do Poder Executivo.

Todas estas conquistas, fruto de longo processo de organização e mobilização da Sociedade brasileira, são agora ameaçadas pela PEC 215 cuja aprovação desfigura a Constituição Federal e significa um duro golpe aos direitos humanos. Fazemos, portanto, um apelo aos parlamentares para que rejeitem a PEC 215. Que os interesses políticos e econômicos não se sobreponham aos direitos dos povos indígenas e quilombolas.
 
Deus nos dê, por meio de seu Filho Ressuscitado, a graça da justiça e da paz!
Aparecida - SP, 17 de abril de 2013
 
Dom Raymundo Damasceno Assis, Arcebispo de Aparecida e Presidente da CNBB
Dom José Belisário da Silva, Arcebispo de São Luís, Vice-presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner, Bispo Auxiliar de Brasília, Secretário Geral da CNBB
 

Imagens em cacos


 
Marina Silva
 
Cômicas e tristes são as cenas na internet que pude ver ao vivo da reação dos deputados à "invasão indígena" no plenário da Câmara. Às vésperas do Dia do Índio, eles protestavam contra o projeto que põe a demarcação de suas terras sob controle do Congresso. Um direito ancestral vira objeto de negociação política. Na correria, alguns parlamentares tinham mais medo de suas consciências que dos manifestantes "armados" com penas e maracás.
Havia ali uma palavra antiga, calada por séculos de violência, tentando novamente fazer-se ouvir. Reconheço essa palavra desde a infância na Amazônia, de onde vim. E fiquei ao lado dos poucos deputados dispostos a ouvi-la no lugar onde a voz do povo deve ser sempre respeitada.
Ali estávamos defendendo o direito de dizer uma palavra nova no espaço da política, no debate das ideias, dos rumos do Brasil e da civilização. Essa nova palavra, que vem de tribos antigas e jovens, nas florestas e nas cidades, também está sendo abafada e impedida. No sistema político dominante e dominado, só se permitem palavras de conformismo e assentimento.



Alguns dos partidos que outrora elevaram suas vozes pela democracia, agora a controlam e silenciam. Os que detêm volumosos e nem sempre lícitos recursos do financiamento privado recusam-se a democratizar o acesso ao financiamento público. Os que têm largo tempo para dizer o que já é conhecido negam o acesso à mídia aos que querem anunciar o devir. Os avaros donos da hora regateiam segundos.
Qual o motivo dessa regressão? Repetem-se o ocultamento e a transferência, como diante dos índios. Muitos políticos têm medo de sua própria origem. O pragmatismo estagnado teme o sonho renovador.
Para controlar, alega-se que novos partidos podem ser siglas de aluguel e vender seu tempo de propaganda. A pergunta é inevitável: quem aluga siglas e quem compra o tempo? A reforma política, que deveria ser um aperfeiçoamento da democracia, reduz-se a uma reserva de mercado: restringe a oferta dos possíveis vendedores sem tocar no poder de demanda dos compradores.
As novas palavras não estão à venda, elas brotam de uma vontade profunda e legítima. Na raiz da crise de nossa civilização está uma dificuldade de ouvir a voz da natureza. Os desafios que enfrentamos só podem ser superados por uma democracia plena.

 

Os colonizadores usaram espelhos para atrair os índios e vencer sua resistência. Recebamos os fragmentos que eles agora devolvem. Muitos deputados não se enxergaram nos cacos. Talvez no Senado, onde a experiência proporciona mais consciência da autoimagem, os defensores da democracia possam refletir o zelo que por ela tiveram um dia.
[fonte: F.d.S.P, p. A2, 19/04/2013]

Presidente Dilma não quer ver índio.


Desde que assumiu a presidência, em 2011, Dilma Rousseff tem se negado a dialogar com o movimento indígena. Durante esta semana, em mobilizações legítimas de nossos povos reunidos no Abril Indígena – 2013, fomos recebidos pelos presidentes da Câmara dos Deputados (Legislativo) e do STF (Judiciário). A presidenta Dilma se negou a falar conosco ou marcar audiência para os próximos dias. Por quê?

Nesta quinta-feira, 18 de abril, estivemos no Palácio do Planalto, mais de 700 lideranças, representando 121 povos indígenas. Protestamos porque nossos parentes estão sendo assassinados, porque nossas terras não são demarcadas. Pedimos uma audiência com Dilma, mas o máximo que nos ofereceram foi uma conversa com o ministro Gilberto Carvalho e um encontro com os demais ministros nesta sexta-feira, 19 de abril, Dia do Índio, para o governo ter a foto para suas propagandas de que é preocupado com as questões dos índios.

Não, não queremos mais falar com quem não resolve nada! Há dois anos entregamos, nós povos indígenas, durante o Acampamento Terra Livre 2011, uma pauta de reivindicações para esses ministros e nada foi encaminhado. De lá para cá perdemos as contas de quantas vezes em que Dilma esteve com latifundiários, empreiteiras, mineradores, a turma das hidrelétricas. Fez portarias e decretos para beneficiá-los e quase não demarcou e homologou terras tradicionais nossas. Deixou sua base no Congresso Nacional entregar comissões importantes para os ruralistas e seus aliados.

A gente não negociou nada durante os protestos no Palácio do Planalto. Queríamos dizer o que nos angustia e preocupa; queríamos dizer isso para a presidenta. Dilma está aliada de quem nos mata, rouba nossas terras, nos desrespeita e pouco se importa para o que diz a Constituição. Quando Dilma não diz nada diante de tudo o que vem acontecendo – mortes, PEC 215, PL 1610 – e ainda baixa o decreto 7957/2013 e permite a AGU fazer a Portaria 303, Dilma mostra de que lado está e sua expressão anti-indígena.   

Luziânia, Goiás, 19 de abril de 2013

Povos indígenas reunidos no Abril Indígena - 2013

Dom Roque Paloschi: “Qual é o pão da vida, que hoje oferecemos aos povos indígenas?”


 
D. Roque Paloschi
O bispo de Roraima (RR), dom Roque Paloschi, celebrou a Santa Missa da 51ª Assembleia Geral, nesta terça-feira, 16 de abril. O tema da celebração foi a luta para assegurar os direitos dos povos indígenas. Durante a homilia dom Roque destacou três palavras em homenagem aos povos indígenas: gratidão, compromisso e memória. [fonte: www.cnbb.org.br ].

 Veja a íntegra da homilia:

 Estimados Irmãos no episcopado, Romeiros aqui presentes no Santuário, irmãos e irmãs que nos acompanham pelos meios de comunicação.

 Ao celebrar esta Eucaristia na Semana dos Povos Indígenas, como comemoração da causa indígena que é uma causa do Reino de Deus, destaco, brevemente, três palavras: gratidão, memória e compromisso.

1. Gratidão

Gratidão, aos povos indígenas pelas lições de vida que ainda hoje nos dão. No Texto-Base da CF 2002, cujo lema era “Por uma terra sem males”, descrevemos amplamente as lições de espiritualidade de uma sociedade alternativa que recebemos dos índios: “Os povos indígenas sabem que não podem sobreviver como povos reproduzindo estruturas individualistas, consumistas e competitivas” (CF 2002, n. 198). Por isso a terra é considerada dom de Deus para a comunidade. Em seus ritos e costumes de socialização, os povos indígenas dedicam muita atenção comunitária a cada criança que nasce na aldeia e que é educada para viver em comunidade.

Gratidão aos nossos catequistas, animadores de nossas Comunidades Indígenas, o grande amor a Palavra de Deus, vida de eucaristia, mesmo que muitas de nossas comunidades indígenas de Roraima recebem a visita do missionário uma ou duas vezes por ano. O amor e à Igreja, ao papa, aos missionários e o desejo de caminhar na comunhão.

Gratidão aos missionários e missionárias, em sua maioria articulados com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e seu trabalho profético. Ao CIMI coube, nos últimos 40 anos, a tarefa de conduzir a causa dos povos indígenas do labirinto colonial à planície pós-conciliar e da invisibilidade política e da tutela colonial ao confronto com o poder político.

Quero também aproveitar esse momento de gratidão para dizer o nosso muito obrigado ao querido dom Erwin Krautler, presidente do CIMI. Apesar de ser muito atacado e ignorado pelos governantes, recebeu, faz algumas semanas, da Universidade Federal do Pará (UFPA) o título de doutor honoris causa pelo seu trabalho profético em defesa da Justiça. Em defesa dos povos indígenas e de todos os prejudicados pela construção da barragem de Belo Monte. Para a população local, Belo Monte deixou de ser um “monte belo” para tornar-se um monte calvário.

Convivendo com as comunidades indígenas, a Igreja missionária tomou consciência dos valores e práticas vivas do Evangelho, presentes em cada cultura. E quanto mais engajados nas lutas, mais os missionários reconhecem as sementes do Verbo presentes na vida desses povos e em sua causa (cf. CF 2002, n. 36). Essa causa alimenta em cada um de nós uma grande esperança que outro mundo é possível, uma mística missionária militante que nos permite conservar nossa vida, como vinho jovem e rebelde, em odres novos. O que nós chamamos de “utopia do Reino”, os povos andinos chamam de bem viver. Os Guarani nos falam da “Terra sem males”.

2. Memória da realidade vivida pelos povos indígenas

Desde a história colonial até fins dos anos 60, ações de caráter integracionista marcaram a presença da Igreja. Mas a História está repleta de missionários que romperam os limites do seu tempo, assumiram a defesa dos Índios e sofreram perseguições. A sociedade brasileira nasceu sob a égide da violência contra os povos indígenas (cf. Plano Pastoral, CIMI, nº 2ss).

A causa indígena engloba a memória do nosso passado, de uma evangelização em condições estruturais de colonização, contudo, também uma causa de sobrevivência, causa de vida,  causa do Reino de Deus. Hoje vivemos num país que se diz cristão, mas é uma das sociedades mais desiguais do mundo.

Há muitas forças em nosso país que querem, a todo custo, ampliar o acesso, o controle e a exploração dos territórios indígenas,  dos quilombolas, dos pescadores artesanais, dos camponeses, de preservação ambiental, dentre outros.

Para tanto, declararam guerra e buscam desconstruir os direitos histórica e arduamente conquistados pelos povos indígenas. Esses grupos político-econômicos têm usado diversos instrumentos legislativos e administrativos no ataque que fazem aos povos e seus direitos.

A Portaria 303/2012, tem causado o aumento dos índices de violência contra os povos indígenas no Brasil. Chamamos a atenção, em especial, para o caso particular vivido pelos Guarani Kaiowá. Cerca de 45 mil Guarani Kaiowá vivem confinados em pequenas reservas de terra ou em acampamentos em beiras de estradas. Não bastasse isso, muitos desses acampamentos têm sido covarde e violentamente atacados à bala por jagunços de fazendeiros. Jesus continua sendo assassinado em tantos mártires anônimos dos pobres da terra. Este grito, que sobe aos céus, não pode passar por nós sem deixar sua marca e nos comprometer.

A solução imprescindível e urgente para esta triste realidade é de responsabilidade do governo brasileiro. E a solução passa, necessariamente, pelo reconhecimento, demarcação e retirada dos invasores das terras tradicionais Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. E disso posso dar testemunho. No caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, a demarcação e a retirada dos invasores, embora não tenha resolvido automaticamente todos os problemas, sem sombra de dúvida, resolveu a situação mais grave de violências, tais como ataques armados e assassinatos, que eram frequentemente cometidos contra indígenas que lá vivem.

3. Compromisso à luz da Palavra de Deus

O Evangelho de hoje (Jo 6,30-35) nos fala dessa vida, do pão “que desce do céu e dá vida ao mundo”, do pão da vida que recebemos e que se multiplica na medida em que o distribuímos.

Qual é o pão que fizemos descer para os povos indígenas, descer do céu das promessas e dos princípios da manutenção das nossas boas relações com os governantes? Esses, por sua vez, nos tentam cooptar com “verbos” e “verbas”, com “prêmios” e “promessas” sem que tenhamos sempre uma clara percepção disso.

Onde está o pão que distribuímos aos povos indígenas, pão de justiça e verdade? Onde foi que derramamos lágrimas e sangue por sua causa? Não foi que, muitas vezes, “terceirizamos” ao presidente do CIMI e seu pessoal o grito profético de Estêvão: “Homens de cabeça dura, insensíveis e incircuncisos de coração e ouvido” (At 7,52).

Os povos indígenas fazem parte de um Brasil e de uma América Latina que têm um projeto de vida diferente do projeto político da maioria dos governantes deste continente. O índice do bem viver dos povos indígenas não depende da construção de hidrelétricas, mas da construção do bem-estar de todos; exige o reconhecimento do outro e a redistribuição de bens.

Como Igreja, temos uma longa caminhada com esses povos. Particularmente, da minha diocese posso testemunhar que também depois da conquista da terra (como em Israel!) os problemas continuam em torno de dois eixos: sobreviver com um modelo alternativo de agricultura em condições economicamente modestas ou copiar o agronegócio e perder o próprio das culturas indígenas. Perder seus valores que, muitas vezes, a nossa sociedade já perdeu: o espírito de partilha, a posse (e não a propriedade) da terra com um significado profundamente religioso, a terra como dom de Deus e não como objeto do mercado, o trabalho comunitário e o zelo pela natureza. O nosso modelo econômico que procura invadir os territórios indígenas ameaça todos esses valores.

Para nós, a questão indígena se coloca como uma questão da humanidade: seremos capazes de contentar-nos com uma nova modéstia material que permite a sobrevivência de todos com igualdade e dignidade ou continuaremos com o modelo de crescimento que cria grandes desigualdades e se torna cada vez mais inviável?

O Evangelho de hoje, que nos falou do “pão de Deus” que “desce do céu e dá vida ao mundo”, nos lembra da saída da escravidão dos que seguiram Moisés, do maná que os alimentou na caminhada pelo deserto e da passagem de Israel para a Terra Prometida. Nossa missão é ser presença em todas essas situações: na escravidão dos Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, na aridez da seca do Nordeste, na terra conquistada de Roraima e nas grandes cidades onde hoje vive quase a metade dos índios no Brasil que perderam seus territórios.

Em seu discurso final, na última sessão do Concílio (7.12.1965), o papa Paulo VI oferece uma chave de leitura para o Vaticano II que considero um indicativo para toda a nossa pastoral ao lado dos povos indígenas. Disse o papa ao despedir-se dos padres conciliares: “A ideia de serviço ocupou o lugar central” do Vaticano II. “Desejamos notar que a religião do nosso Concílio foi, antes de mais nada, a caridade”.

Acolhamos, novamente, como em Santo Domingo prometemos, a inculturação como “imperativo do seguimento de Jesus” (DSD 13), como “descida” e “entrega”, como “encarnação” e “oblação”. “caridade e justiça” através do serviço da nossa presença atenta junto aos povos indígenas. “Toda evangelização há de ser, portanto, inculturação do Evangelho”, nos diz o Documento de Santo Domingo (ibid.). E essa inculturação, que é seguimento de Jesus, “se realiza no projeto de cada povo, fortalecendo sua identidade e libertando-o dos poderes da morte” (DSD 13). Os poderes da morte rodeiam as aldeias indígenas.

Qual é o pão da vida, que hoje oferecemos aos povos indígenas?
 


Igreja Samaritana
Eu responderia: é gratuidade, coragem profética, lucidez e perseverança como diaconia pastoral! Na reciprocidade com os povos indígenas, no dar e receber, nos iniciamos numa “Igreja samaritana” (DAp 26), numa vida despojada e pascal. Como advogados da justiça dos povos indígenas defendemos não somente a causa dos outros, defendemos a nossa própria causa e o futuro do planeta Terra (cf. DAp 395).

O nosso papa Francisco nos convoca para irmos às periferias do mundo. Os povos indígenas esperam da nossa Igreja, a mesma firmeza de Estevão, sonham com uma Igreja pobre e servidora, defensora da vida e da justiça de todos e da obra da Criação.

Que Maria Santíssima, a mãe da esperança, venerada sob o título de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira dos povos indígenas, e de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, nos recorde diariamente: Fazei tudo o que Ele vos disser. Amém.