Diante da Lei, de Franz Kafka


Diante da Lei está um guarda. Vem um homem do campo e pede para entrar na Lei. Mas o guarda diz-lhe que, por enquanto, não pode autorizar-lhe a entrada. O homem considera e pergunta depois se poderá entrar mais tarde. – ”É possível” – diz o guarda. – ”Mas não agora!”. O guarda afasta-se então da porta da Lei, aberta como sempre, e o homem curva-se para olhar lá dentro. Ao ver tal, o guarda ri-se e diz. – ”Se tanto te atrai, experimenta entrar, apesar da minha proibição. Contudo, repara, sou forte. E ainda assim sou o último dos guardas. De sala para sala estão guardas cada vez mais fortes, de tal modo que não posso sequer suportar o olhar do terceiro depois de mim”.


Sentada na porta do Palácio de Justiça
que nunca se abriu...
O homem do campo não esperava tantas dificuldades. A Lei havia de ser acessível a toda a gente e sempre, pensa ele. Mas, ao olhar o guarda envolvido no seu casaco forrado de peles, o nariz agudo, a barba à tártaro, longa, delgada e negra, prefere esperar até que lhe seja concedida licença para entrar. O guarda dá-lhe uma banqueta e manda-o sentar ao pé da porta, um pouco desviado. Ali fica, dias e anos. Faz diversas diligências para entrar e com as suas súplicas acaba por cansar o guarda. Este faz-lhe, de vez em quando, pequenos interrogatórios, perguntando-lhe pela pátria e por muitas outras coisas, mas são perguntas lançadas com indiferença, à semelhança dos grandes senhores, no fim, acaba sempre por dizer que não pode ainda deixá-lo entrar. O homem, que se provera bem para a viagem, emprega todos os meios custosos para subornar o guarda. Esse aceita tudo mas diz sempre: – ”Aceito apenas para que te convenças que nada omitiste”.


Durante anos seguidos, quase ininterruptamente, o homem observa o guarda. Esquece os outros e aquele afigura ser-lhe o único obstáculo à entrada na Lei. Nos primeiros anos diz mal da sua sorte, em alto e bom som e depois, ao envelhecer, limita-se a resmungar entre dentes. Torna-se infantil e como, ao fim de tanto examinar o guarda durante anos lhe conhece até as pulgas das peles que ele veste, pede também às pulgas que o ajudem a demover o guarda. Por fim, enfraquece-lhe a vista e acaba por não saber se está escuro em seu redor ou se os olhos o enganam. Mas ainda apercebe, no meio da escuridão, um clarão que eternamente cintila por sobre a porta da Lei. Agora a morte está próxima.


Índios acorrentados em protesto contra a "justiça"
que permite lhes roubar a sua terra... [29.5.14; Brasília]

Antes de morrer, acumulam-se na sua cabeça as experiências de tantos anos, que vão todas culminar numa pergunta que ainda não fez ao guarda. Faz-lhe um pequeno sinal, pois não pode mover o seu corpo já arrefecido.

O guarda da porta tem de se inclinar até muito baixo porque a diferença de alturas acentuou-se ainda mais em detrimento do homem do campo. – ”Que queres tu saber ainda?”, pergunta o guarda. – ”És insaciável”. – ”Se todos aspiram a Lei”, disse o homem. – ”Como é que, durante todos esses anos, ninguém mais, senão eu, pediu para entrar?”. O guarda da porta, apercebendo-se de que o homem estava no fim, grita-lhe ao ouvido quase inerte: – ”Aqui ninguém mais, senão tu, podia entrar, porque só para ti era feita esta porta. Agora vou-me embora e fecho-a”.


[Parábola que faz parte do livro “O Processo”]

Com arco e flecha contra uma máquina de poder


Flechada em policial foi 'reação' à cavalaria da PM, diz líder indígena.



A fronteira entre "progresso",
na base do desenvolvimentismo
 acelerado e violento, e "bem viver"
com participação de todos - eis
a questão que tem solução.

Após reunião com o presidente da Câmara dos Deputados, a coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, afirmou nesta quarta-feira (28) que a flechada que acertou um policial militar, no dia anterior, durante manifestação em Brasília, foi uma reação de um índio à ação da Polícia Militar. Segundo a líder, os policiais ameaçaram “pisotear” os manifestantes e, por isso, houve a defesa do ataque com armas desiguais.

Durante a ação, o policial militar Kleber Ferreira, de 40 anos, foi atingido por uma flecha perto da virilha. Ele foi atendido no local pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e depois foi a um hospital para fazer um curativo. O policial declarou depois que foi só um susto.

Daví contra Golias


Na conferência de prensa, hoje, dia 28 de maio, foi denunciada a violência contra os manifestantes que ontém, dia 27, pacíficamente se aproximaram ao Estádio Nacional Manê Garrincha, Brasília. Continua a criminalização das lideranças indígenas e populares em função do modelo de crescimento e lucro. Como disse o Papa Francisco: "Esse modelo capitalista mata!". 












Mais de 500 indígenas protocolam no STF denúncia contra deputados racistas




Mais de 500 indígenas, de 100 povos diferentes de todo Brasil, estão reunidos em Brasília até esta quinta-feira (29) para protestar em defesa dos direitos territoriais dos povos indígenas garantidos na Constituição. Na manhã de hoje (27), os manifestantes irão protocolar uma queixa-crime contra os deputados ruralistas Luís Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS) no Supremo Tribunal Federal (STF). Na sequência, será feita uma pajelança na Praça dos Três Poderes em defesa dos direitos indígenas.

Em novembro, durante audiência pública em Vicente Dutra (RS), Heinze disse que índios, quilombolas, gays e lésbicas são “tudo o que não presta”. Na mesma audiência, ele e Moreira defenderam que os produtores rurais contratassem segurança privada para expulsar índios das terras que consideram como suas. Em dezembro, Heinze voltou a ofender índios, quilombolas e gays. As declarações foram gravadas.
Na quarta (28), às 9h, está confirmada uma audiência pública, no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, em defesa da agenda legislativa indígena.

Você pode acompanhar as atividades da Mobilização Nacional Indígena ao vivo no canal do Greenpeace no Livestream e do cineasta indígena Kamikia Kĩsedje no TwitCasting.

Nessa segunda, as delegações vindas de todo o Brasil reuniram-se em assembleia, no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), para denunciar as violências e violações de direitos sofridas em varias regiões. “Hoje tentam usurpar o direito dos povos indígenas e da natureza. Isso vai repercutir para todo mundo. Depois começam a retirar os direitos de outros grupos e a sociedade não discute nada, não sabe de nada”, afirmou Lindomar Terena, logo após ler uma carta-denúncia (leia aqui) da Apib apresentada no Fórum Internacional dos Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU).

“A terra indígena é um direito originário e então o governo precisa demarcar nossos territórios. No processo histórico, está claro que nós não provocamos o conflito que hoje aí está. O Estado e seus governantes tiraram a gente das terras, sobretudo no século passado, e deram títulos para quem foi colocado nelas. Para os indígenas, a terra é mãe, é sagrada. Nunca vamos desistir delas”, pontuou Sônia Guajajara, também da coordenação da Apib.

Em abril de 2013, os povos indígenas ocuparam o plenário da Câmara Federal, em protesto contra as várias propostas legislativas anti-indígenas. Em outubro, a Mobilização Nacional Indígena reuniu milhares de pessoas, no Brasil e em algumas cidades do exterior, no maior conjunto de manifestações em defesa dos direitos indígenas desde a Constituinte de 1988 (saiba mais).

Ataque aos direitos indígenas

Os novos protestos em Brasília ocorrem num cenário de continuidade do ataque generalizado aos direitos indígenas, em especial os direitos territoriais, da parte de vários setores do governo e de um conjunto de atores políticos e econômicos capitaneados pela bancada ruralista no Congresso Nacional.

Um dos principais objetivos da mobilização é impedir a aprovação da série de projetos contra os direitos indígenas em tramitação no parlamento, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que pretende transferir aos congressistas a atribuição de aprovar a demarcação das Terras Indígenas (TIs); o Projeto de Lei (PLP) 227, que visa abrir essas áreas à exploração econômica; o PL 1.610, que regulamenta a mineração nas TIs, entre vários outros.

Também serão alvos dos protestos, entre outras medidas do governo, a proposta de alteração do procedimento de demarcação das TIs do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU), que objetiva generalizar a todas as TIs as condicionantes definidas para a TI Raposa Serra do Sol (RR), contrariando decisão do STF. Na prática, todas essas propostas do Executivo e do Legislativo pretendem paralisar definitivamente os processos de demarcação, já suspensos pelo governo federal.

Enquanto isso, a tramitação de projetos importantes para consolidar os direitos indígenas e que são bandeiras do movimento indígena, como o Estatuto dos Povos Indígenas e o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), está paralisada há anos nos corredores do Congresso, sem qualquer avanço. A Mobilização Nacional Indígena também defende a aprovação dessas duas propostas.

A Mobilização é promovida pela Apib, com apoio do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Instituto Socioambiental (ISA), Greenpeace, Instituto de Educação do Brasil (IIEB), entre outras organizações indígenas e indigenistas.


Apib repudia violência e repressão


Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) vem a público repudiar a violenta e despropositada ação da Polícia Militar do Distrito Federal, que reprimiu na tarde desta terça-feira, 27/05, ato pacífico em que participavam cerca de 600 lideranças indígenas de todo o país.


Por volta das 17h40 os indígenas, que estão em Brasília participando da Mobilização Nacional em Defesa dos Direitos Territoriais de seus povos, se uniram ao ato convocado pelo Comitê Popular da Copa - DF e marchavam tranquilamente em direção ao Estádio Nacional Mané Garrincha quando foram surpreendidos pela Cavalaria da Polícia com bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, spray de pimenta e tiros de bala de borracha.

O Tenente Coronel Moreno, da Polícia Militar, havia feito acordo com o Comitê Popular da Copa para assegurar a chegada do protesto pacífico ao Estádio Nacional Mané Garrincha. Porém, quando os manifestantes se aproximaram do estádio, começaram a ser atacados pela polícia.


Seis lideranças indígenas foram atingidas por balas de borracha, entre elas uma mulher do povo Pankararu, do Nordeste. Um fotógrafo da Agência Reuters sofreu ferimento na perna por resquícios da explosão de uma bomba de efeito moral. Um padre que acompanhava o povo Xerente foi atingido na mão por uma bala de borracha. Além dos feridos, três manifestantes foram presos.

Diante desses fatos, exigimos a apuração imediata dos abusos cometidos pela polícia que são parte da estratégia de criminalização dos movimentos sociais e dos nossos povos.

Brasília-DF, 27 de maio de 2014.

22 de Maio: Festa de Santa Rita de Cássia - A santa das causas impossíveis




Por sorte ou destino me encontro na Paróquia que tem como Padroeira a Santa Rita de Cássia. Nesse encontro com a mulher curandeira e rezadeira estou de volta à religiosidade do povo. Chamada Margherita, que originou o nome Rita, a Santa das Causas Impossíveis nasceu na Itália em 1381.


Um tanto contrariada, acabou fazendo o gosto dos pais: casou-se com um jovem temperamental e violento e tiveram filhos. Durante os 18 anos em que esteve casada, tudo fez para que a paz e a harmonia fossem mantidas. E à custa de muita oração conseguiu abrandar o temperamento do marido.

Um dia, entretanto, Paulo Ferdinando foi assassinado e jogado à beira de uma estrada. Os dois filhos juraram vingar o pai. Impotente ante o ódio dos filhos, pediu a Deus que os levasse antes que se manchassem de sangue. Seja lá por que desígnios de Deus, suas preces foram ouvidas.


Abalada pela morte do marido e dos filhos, quis recolher-se ao convento das Agostinianas de Cássia, mas não foi aceita. Rezou fervorosamente aos santos de sua devoção: São João Batista, Santo Agostinho e São Nicolau de Tolentino. Conseguindo ingressar no convento, viveu ali por 14 anos até sua morte, trazendo na testa um estigma, associando-se assim à paixão de Cristo.

Morreu no mosteiro de Cássia em 1457 e foi canonizada em 1900.

Uma família de devotos trouxe a imagem de Cássia, na Itália. Foi o ponto de partida para a devoção de mais de um século que se espalhou pelo Vale do Sapucaí, no Sul de Minas Gerais.

O Santuário de Santa Rita recebe romeiros ao longo de todo o ano. Há missas especiais para fiéis de outras paróquias todos os finais de semana com uma recepção especial pela equipe de acolhida. O Santuário possui três relíquias da santa italiana: uma partícula óssea, seu hábito e uma imagem em tamanho natural vinda de Cássia.

www.youtube.com/watch?v=STKDNyoSvbg:







Grande Assembleia do Povo Terena por ocasião do Centenário das Missionárias Lauritas

Assembleia do Povo Terena na Aldeia Babaçu




De 07 a 10 de maio aconteceu a Grande Assembleia do Povo Terena na Aldeia Babaçu, Terra Indígena Cachoeirinha, município de Miranda/MS. 

O evento, com o tema “Missionárias Lauritas: 100 anos compartilhando a experiência de vida junto aos povos indígenas”, celebra os cem anos de criação da congregação e reúne povos indígenas do Brasil, Bolívia, Chile e Paraguai. A congregação das Lauritas foi fundada por Laura Montoya (1874-1949), primeira santa colombiana oficialmente declarada, canonizada no Domingo, dia 12 de maio 2013, pelo Papa Francisco.


O encontro teve discussões de diversos temas importantes para os povos indígenas como territórios tradicionais, saúde, educação e sustentabilidade. Estiveram presentes indígenas de diversas aldeias e etnias – Terena, Kadiwéu, Kinikinau, Guarani Kaiowá, Ofaié e Pataxó além de representantes de movimentos sociais e indigenistas. 
No Documento Final do evento, os indígenas declararam:


Deus fez a terra e tudo o que nela existe para que vivamos em harmonia. O direito de propriedade não é sagrado. A terra não pertence e não tem um dono a não ser Deus, que entregou a terra para vivermos. Somos povos com culturas diferentes, localizados em países diferentes, mas sofremos as mesmas perseguições, as mesmas negações de direitos, pois não somos contemplados pelo modelo de desenvolvimento adotado por nossos governantes. Denunciamos as manobras governamentais em todas as suas instancias que articulam expedientes normativos visando o não reconhecimento de nossos territórios tradicionais e o apoderamento de nossas terras. Continuaremos lutando por nossos direitos.
Saudamos Madre Laura e todas as Irmãs Lauritas. Juntos celebramos o bem viver baseado em nossos modos tradicionais e nossa espiritualidade, respeitando nossa cultura e organização tradicional.
Viva o centenário das missionárias Lauritas 100 anos compartilhando a experiência de vida junto aos povos indígenas
Campo Grande, 14 de maio de 2014
Povo Terena
Guarani Kaiowá
Povo Xavante
Povo Aymara
Povo Quechua

Povo Pai Tavyterã


Nossa Copa pela Vida


Por Rosinha Martins e Jaime C. Patias   
15 / Mai / 2014 08:21
“Queremos criar um clima de vigilância e de reação ao Tráfico Humano e à Exploração Sexual que, em tempos de megaeventos, como a Copa, tendem a crescer”. A afirmação é da coordenadora da Rede um Grito pela Vida, Irmã Eurides Alves de Oliveira, durante Coletiva de Imprensa que lançou a Campanha “Jogue a favor da vida - denuncie o Tráfico de Pessoas”.
O evento reuniu na sede da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), em Brasília, nesta quarta, dia 14, jornalistas, representantes de igrejas cristãs, universidades, instituições e organismos afins.
Uma iniciativa da CRB Nacional, a Campanha é coordenada pela Rede um Grito pela Vida e visa alertar a sociedade brasileira sobre o Tráfico de Pessoas, a Exploração Sexual e outras formas de violação dos Direitos Humanos que podem aumentar durante a Copa do Mundo.
Ao apresentar a Campanha, Irmã Eurides, icm, explicou que as ações, já começaram em todo o Brasil, em fevereiro, com atividades como coletivas de Imprensa, debates, panfletagens, caminhadas e celebrações. Agora, a previsão é intensificar essas ações nas cidades-sedes da Copa. “Cada núcleo da Rede está mapeando lugares estratégicos, aeroportos, estações rodoviárias, corredores de ônibus, estações de trens, lugares de maior fluxo de turismos como capitais litorâneas e praias, para esta conscientização”, relatou. “Consideramos esta oportunidade um momento singular para defender a vida e denunciar as formas de violação dos direitos humanos. Queremos mostrar aos turistas e aos brasileiros que o Brasil se opõe radicalmente à Exploração Sexual e ao Tráfico de Pessoas. Existem leis e punições severas para os envolvidos”, reforçou.
No próximo dia 20 de maio, na Sala de Imprensa do Vaticano, representantes da CRB Nacional e religiosas da Rede Internacional ‘Talita Kum’, à qual a Rede um Grito pela Vida está associada, apresentarão a Campanha “Jogue a favor da vida – denuncie o Tráfico de Pessoas” ao prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, o cardeal dom João de Aviz.
Na Capital Federal, no mês de junho, a CRB Nacional pretende, com o apoio da CNBB, da arquidiocese de Brasília e do governo, realizar uma caminhada na Esplanada dos Ministérios em memória das vítimas do Tráfico de Pessoas e da Escravidão Moderna.
A vice-presidente da CRB Nacional, Irmã Maria Inês Ribeiro, mad, destacou que a Campanha é motivada “pela própria missão da Vida Religiosa Consagrada no Brasil, de ser presença profética em situações de fronteiras, nas periferias em especial entre as juventudes e onde a vida é mais ameaçada”. Esclareceu que não é somente por causa da Copa do Mundo que a CRB enfrenta o Tráfico de Pessoas, a entidade assumiu essa missão já no ano 2006.
O secretário-geral da Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Steiner, ofm, avaliou que “a Campanha da Fraternidade (CF) ajudou o Brasil a abrir os olhos para a realidade sofrida do Tráfico Humano onde as pessoas não são mais tratadas como pessoas, muito menos como filhos e filhas de Deus”. Segundo o bispo, o tema da CF 2014 foi fruto do trabalho da Vida Religiosa, no enfrentamento do Tráfico de Pessoas. Dom Leonardo prevê que “o país abrirá ainda mais os olhos com o ‘gol’ que a CRB está fazendo desde já, com esta Campanha e está incidindo como Vida Religiosa, lá onde as pessoas mais sofrem, de maneira discreta, mas muito eficaz e evangélica, consoladora e samaritana”, complementou.
Na opinião do secretário de Justiça do Distrito Federal, Jefferson Ribeiro, no combate ao Tráfico de Pessoas, o governo deve unir forças com a sociedade civil. Ele recordou ainda que a Lei Áurea foi promulgada há 126 anos (13 de maio de 1888), mas até hoje não conseguimos acabar com a escravidão. “Esse é um assunto que envergonha o povo brasileiro”. Em seguida, explicou que, por ser “um crime de porão” se torna mais difícil combatê-lo. “Estamos diante de um monstro e esperamos continuar firmes contando com a parceria da CRB, da CNBB e da arquidiocese de Brasília”.
Esteve também presente na Coletiva, o Dr. Marcello Lavenère Machado, membro vitalício do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e professor de Direito Civil na Universidade de Brasília (UnB). Ao avaliar o comportamento dos grandes meios de comunicação, o jurista disse que, “a sociedade brasileira tem dificuldades de abortar certos temas pela falta de acesso a um elenco amplo e plural de notícias. Esperava ver aqui jornalistas dos grandes meio de comunicação, mas já sabia que essa esperança não seria correspondida”, observou. “Num país com 200 milhões de habitantes onde apenas quatro famílias controlam os principais meios de comunicação, a sociedade civil não organizada fica refém da opinião publicada”.
Pediu ainda que o “aparelho repressor do estado” que quase sempre se voltou seletivamente contra os segmentos mais vulneráveis da sociedade, durante a Copa e das manifestações que estão sendo esperadas, mude de atitude. Quando ao enfrentamento do Tráfico de Pessoas, disse que esse e outros crimes existem “por que há um regime injusto que considera cada sentimento humano uma mercadoria. Temos ainda esperança, uma esperança que tem duas filhas, como dizia Santo Agostinho: a indignação para não aceitar isso como algo natural e a coragem para denunciar essas práticas”.
A CRB Nacional expressou agradecimentos pela parceria da CNBB, Secretaria de Justiça do DF, Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), Pontifícias Obras Missionárias (POM), Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Cáritas Brasileira, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), CRB Regional de Brasília e Goiânia da arquidiocese de Brasília, Rede Vida de Televisão, Canção Nova Notícias e Agência Zenit.
Fundada em 1954 a Conferência dos Religiosos do Brasil celebra, este ano, 60 anos de existência. A entidade congrega cerca de 40 mil religiosos e religiosas de diversas congregações e ordens de Vida Consagrada.
Mais informações: Blog da Rede um Grito para a Vida

O bombeiro como cambista




O sargento Rogério Cruz do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, segundo o Fantástico do dia 11 de maio, foi flagrado vendendo ingressos para a Copa em grande estilo dentro do quartel central e, sem disfarce, a poucos metros do Centro de Distribuição de Ingressos da Fifa. Em vez de apagar incêndios, o bombeiro Rogério dá algumas saidinhas do quartel para “Bota(r)fogo”, vende ingressos com ágio de 400% ou mais, fora das bilheterias oficiais.


Em sua homilia da Missa matutina, celebrada na Capela da Casa Santa Marta, no dia 12 de maio, o Papa Francisco disse que a Igreja não deve fazer cobranças que o próprio Jesus não fez. Ela não deve tornar-se uma fábrica de impedimentos. Antigamente, segundo Francisco, havia na Igreja o ministério do “abridor da porta”. Um ministério para fechar a porta nunca existiu. Com outras palavras: O que a Igreja recebeu da graça de Deus e como dom do Espírito Santo, ela não deve “vender” caro nem oferecer “barato”. 

Ao administrar os Sacramentos deve simplesmente deixar espaço para a presença de Deus vivo no Espírito Santo. Ele impulsiona a Igreja de ultrapassar suas próprias fronteiras, sem ágio, sem manipulação do câmbio. Afinal, a Igreja não deve atuar como cambista. Ela deve apagar incêndios sociais, mas não o fogo do Espírito Santo.

A Igreja não é para fazer carreira!


Na Igreja não há lugar para quem segue Jesus só por vaidade, por vontade de poder ou por desejo de acumular dinheiro. «Na Igreja há arrivistas, há muitíssimos...», comentou o Santo Padre. Mas seria melhor, acrescentou, que fossem ao norte e praticassem alpinismo! Seria mais sadio! Mas não usem a Igreja para subir!». [O Papa Francisco, no dia 5.5.2014, na Casa Santa Marta].



Nossa Copa - O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto se aproxima da Arena dos Corinthianos



SÃO PAULO - Um grupo de mil famílias do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ocupou na madrugada deste sábado, 3 de maio, um terreno abandonado, na Rua Malmequer do Campo, na região do Parque do Carmo, em Itaquera, na zona leste de São Paulo. O local fica a cerca de 4 km da Arena Corinthians, o Itaquerão e o grupo pretende ficar no local por tempo indeterminado.

"Vamos ficar indefinidamente. Esta não é uma área de preservação ambiental, tem dívida com a Prefeitura e estava abondonada. Ela tem todas as condições para ser uma área de interesse social", disse Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Segundo Boulos, a invasão está diretamente relacionada com a Copa do Mundo. "As obras que foram feitas em Itaquera não melhoraram em nada as condições de habitação da região, só renderam especulação imobilária." São esperadas mais mil famílias até o final da próxima semana.


A ocupação, formada por moradores de áreas de risco, favelas ou que afirmam não ter dinheiro para pagar aluguel, segundo a entidade, é em um terreno que está há 20 anos abandonado. A ocupação começou no final da noite de ontem, com uma operação que teve início da Nova Palestina, na zona sul, área também ocupada pelo MTST. Uma caravana formada por 50 carros, 17 ônibus e motos, saiu do local com destino à zona leste de São Paulo. De acordo com a Polícia Militar não houve confronto.


No início desta tarde, já havia centenas de cabanas montadas no terreno. Membros antigos do MTST montam as estruturas, ensinam as regras para os novos ocupantes e depois retornam para as invasões de origem. Por volta das 14h, o secretário adjunto da Secretaria de Coordenação das Subprefeituras, Miguel Reis Afonso, esteve no local. Ele se reuniu com lideranças do MTST dentro de uma barraca. " A preocupação agora é para saber como estão as condições da ocupação", afirmou. Ainda de acordo com ele, a Prefeitura não sabe quem é o proprietário do terreno. [fonte básica: Estadão]

O enviado para incomodar: Tomás Balduíno +

Memória – Militância - Missão

Paulo Suess

Morreu no dia 2 de maio em Goiânia, o bispo emérito da cidade de Goiás, dom Tomás Balduíno, aos 91 anos de idade.



Dom Tomás era uma memória viva da pastoral indigenista da Igreja Católica. Ele enriqueceu essa pastoral com a herança dominicana, viva em pessoas como Las Casas, António e Montesinos e Chenu. A pastoral indigenista pós-conciliar foi forjada na resistência à ditadura militar, à falácia do progresso e às promessas da integração sistêmica. Essa resistência perpassa uma mancha de sangue de testemunhas qualificados na grande tribulação – precursores da páscoa definitiva.

Herança

Tomás Balduíno era dominicano como Bartolomé de las Casas, Francisco de Vitória e António de Montesinos. Com faro político-pastoral se tornaram defensores intransigentes dos povos indígenas. Mas nem todos os dominicanos são como Las Casas, Vitória e Montesinos. Também inquisidores receberam a sua formação na Ordem dos Pregadores (OP). A pregação do Evangelho pode cegar e iluminar. A ordem religiosa é uma família que, apesar das intervenções virtuais periódicas do fundador e das fontes estudadas no noviciado e relidas, mais tarde, nos retiros espirituais, não garante nada, mas facilita muito.

Como na hora da Conquista, também na segunda metade do século XX, a família dominicana foi uma voz profética e inovadora da ação pastoral da Igreja Católica. Nessa fonte, Tomás Balduíno bebeu durante seus estudos na França, onde respirava uma nova teologia, a chamada Nouvelle théologie, decisiva para seu itinerário eclesial posterior. Essa nova teologia tinha fundamentos sólidos no passado, em Tomás de Aquino, xará de nome e confrade dominicano de Tomás Balduíno. A proximidade na defesa dos povos indígenas entre Las Casas e Tomás Balduíno tem uma raiz comum na teologia da Ordem dos Dominicanos.

O primeiro período da teologia medieval foi a Patrística, que em Santo Agostinho (354-430), com base na filosofia de Platão, teve seu maior expoente. O representante gigante do segundo período, da Escolástica, foi Tomás de Aquino (1225-1274). Como professor em Paris e através dos Árabes, começa a conhecer e introduzir em sua reflexão Aristóteles, até então proibido na cristandade. Com grande simplificação pode-se dizer que Platão é o filósofo das ideias eternas de quem Agostinho se serviu para a construção de sua teologia, predominantemente, dedutiva. Aristóteles é o filósofo do chão concreto da realidade, da ciência e da ética prática. Tomás de Aquino se serviu de Aristóteles para uma teologia de cunho indutivo, articulada com a realidade concreta e palpável. Essa é a teologia que o Vaticano II assumiu, com seus pilares na história, sociedade e realidade político-econômica.

Na conquista das Américas, essas duas correntes marcaram referenciais teológicos opostos que influenciaram diretamente no tratamento dos povos indígenas. Uns se apoiavam, em sua reflexão, no substrato agostiniano da “teologia das sentenças” do século XII, com sua visão teocrática do poder papal e seu olhar pessimista sobre a natureza humana; outros se serviram da posição jus-naturalista elaborada por Tomás de Aquino no século XIII.

Na “teologia das sentenças” de Pedro Lombardo, por exemplo, havia certa confusão entre a ordem natural e a sobrenatural. Seguindo a tradição de Santo Agostinho (354-430) nas lutas contra o pelagianismo, que negava o pecado original e a necessidade do batismo das crianças, os sentencialistas atribuem ao pecado original uma influência que quase destrói a natureza humana. Daí provêm as exigências de um contrapeso na graça e no sobrenatural. A minimização do natural inspirou as interpretações teocráticas do poder pontifício, desde os tempos de Gregório VII (1073-1085).

Já no século XIII, nas universidades de Paris, Bolonha, Oxford e Salamanca, nasce algo novo. Agora, por influência dos Árabes, Aristóteles é traduzido, e sua leitura ajuda a teologia a reconhecer os limites dos seus próprios campos. Tomás de Aquino faz, livremente inspirado por Aristóteles, avançar a reflexão teológica, quando começa a distinguir entre o natural e o sobrenatural, entre razão e fé. Como o natural não dispensa a graça (o sobrenatural), também a graça não destrói a natureza, mas a aperfeiçoa. O direito divino, que tem a sua origem na graça, não suspende o direito humano, que é de ordem natural. Na teologia agostiniana, que era a teologia hegemônica da Idade Média e na Conquista, a natureza pagã era uma natureza destruída pelo pecado original, e, portanto, sem possibilidade de salvação, a não ser, pelo batismo. Na teologia dos dominicanos, explicitado por Las Casas em seu Tratado de “Único modo”, a natureza dos povos indígenas não foi destruída pelo pecado original. Há uma continuidade entre a ordem de criação e de salvação.

Tomás Balduíno nunca explicitou esse fundo teológico de sua herança que mais tarde daria a base de sustentação antropológica e teológica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Talvez por causa dos seus interlocutores, que eram índios, lavradores e movimentos sociais, ele se destacou mais por suas análises políticas que por reflexões teológicas. Mesmo nas Assembleias da CNBB, na época ainda realizadas em Itaicí, quando pediu a palavra, se ouviu um staccato político-pastoral certeiro e não o legato de uma fuga bachiana. Noite adentro, quando seus colegas jogavam pôquer ou tomavam uma cervejinha, Tomás, em off, era um articulador incansável e estrategista hábil. Para ele, a teologia tinha que ser prática, política, serva da práxis pastoral. O Vaticano II (1962-1965), que se definiu como concílio pastoral, veio ao seu encontro.


Vaticano II

Foram três grandes teólogos da família dominicana que se destacaram no Vaticano II e no tempo pós-conciliar: Marie-Dominique Chenu (1895-1990) e seus dois alunos, Yves Congar (1904-1995) e Edward Schillebeecks (1914-2009). Chenu e Congar chegaram à porta do Concílio, como a maioria dos teólogos relevantes da época, arrastados na corrente da suspeita e da proibição, condenados ao silêncio e exílio por um “regime de denunciação e de centralismo totalitário”, como escreve Congar em seu diário, um regime “sem justiça e sem misericórdia”.[1]

A coragem dos movimentos bíblicos, litúrgicos e pastorais foi – por longos anos pré-conciliares – acompanhada e estimulada pela coragem inovadora e a retidão intelectual de teólogos, como Chenu, que resistiram à perda da percepção da realidade no interior da Igreja.[2] Com seu serviço teológico ao povo de Deus ultrapassaram as fronteiras da academia e do legalismo, e colocaram a sua vida profissional em risco. A reflexão teológica de Chenu, que era medievalista, contribuiu para a teologia indutiva do Concílio que reconheceu a “história”, a “realidade terrestre”, a “autonomia da cultura e ciência” e os “sinais dos tempos” como pilares que deveriam sustentar o conjunto teológico-pastoral do evento conciliar.

Além da reflexão teológica indutiva focada na história e na sociedade, mais tarde assumida pela “Teologia Política”, de João Batista Metz, e a “Teologia de Libertação”, de Gustavo Gutierrez, Chenu estava, concomitantemente com a produção teológica, envolvido em trabalhos pastorais. Por longos anos foi assistente da Ação Católica e da pastoral operária. Esta presença pastoral, com seu método da “revisão de vida” (ver, julgar, agir), influenciou fortemente seus tratados teológicos. Nos anos pós-conciliares, a Pastoral da América Latina e seus documentos eclesiais se beneficiaram desse método indutivo, desde o papa João XXIII (1958-1963) assumido pelo magistério como um instrumento válido para a análise da realidade (cf. Mater et magistra, 235).

A sobriedade missionária do movimento dos padres operários e da Mission de France, o despojamento de um Abbé Pierre (1912-2007), fundador do movimento dos maltrapilhos-construtores de Emaús, já apontaram para a opção pelos pobres e pelos que mais sofrem. Desde o início do século XX se tinha notícia do martírio e da opção corajosa pelos Outros de um Charles de Foucauld (1858-1916) e dos seus seguidores nos mais diversos movimentos espirituais e fundações religiosas. Em 1958, nove anos antes da chegada de Tomás Balduíno como bispo, as Irmãzinhas de Jesus iniciaram sua presença no meio do povo tapirapé e deram à igreja local de Goiás/GO lições de inculturação. Muitos anos antes do Vaticano II, quando Tomás Balduíno ainda concluiu seus estudos teológicos em Saint Maximin (1948-1950), a França era um laboratório pastoral criativo e sua Igreja, que era pobre, antecipava questões pastorais posteriormente articuladas pelos paradigmas da inserção, da inculturação e da opção pelos pobres e Outros.

Com a teologia, que assumiu a realidade terrestre inserida na história da salvação e os sinais dos tempos, como sinais de Deus no tempo, no Vaticano II venceram Tomás de Aquino e sua corrente do Direito Natural. O Concílio declarou liberdade e pluralidade religiosas como direitos humanos que foram, antes do Vaticano II, consideradas inaceitáveis ou aceitáveis apenas como realidades de fato, mas não de jure, porque ao “erro” não se deve atribuir legalidade.

A proximidade do mundo e dos reais problemas da humanidade, e o reconhecimento da autonomia da realidade terrestre e da pessoa são aprendizados históricos. Permanecem buscas permanentes para escapar da conformação alienante à prosperidade material e da adaptação superficial a modas e ondas, ou ao distanciamento deste mundo em nichos de bem-estar espiritual. Muitas questões que no Concílio pareciam ter encontrado um consenso, voltaram à tona no tempo pós-conciliar, marcado pela euforia pentecostal de pequenos grupos e pelo pessimismo autoritário de certo neoagostinianismo. Novamente, a liberdade religiosa em sua forma de pluralismo religioso é questionada como uma “teoria de índole relativista” que se pretende justificar “não apenas de facto, mas também de jure (ou de princípio)”.[3] Num mundo de grandes mudanças, um setor significativo da Igreja Católica corre o risco de reduzir o aggiornamento de João XXIII a uma modernização conservadora norteada pela pergunta: “Como podemo-nos adaptar ao mundo sem transformar nossas estruturas pastorais caducadas”? Ao protelar a “conversão pastoral”, proposta por Aparecida (DAp 365ss), a chamada Nova Evangelização corre o perigo da encenação de uma peça antiga, que precisa e pode ser reescrita.

Contexto

No oitavo ano da ditadura militar no Brasil, cinco anos depois da extinção do “Serviço de Proteção aos Índios/SPI” por corrupção, sadismo e massacres de tribos inteiras, quatro anos depois de Medellín e do Ato Institucional n. 5, no terceiro ano do terceiro general-presidente, Emílio Garrastazu Médici, no período mais repressivo da história do Brasil, e um ano depois das denúncias do “espírito faraônico das missões”, pelos antropólogos de Barbados I,

naquele ano de 1972
- quando os Estados Unidos retiram as suas tropas do Vietnam,
- quando em Estocolmo se realiza a Primeira Conferência do Meio Ambiente,
- quando o conflito do Oriente Médio alcança os Jogos Olímpicos, em Munique, onde oito palestinos fazem 11 reféns entre os integrantes da comitiva de Israel, exigindo a libertação de 200 Feddayns, presos em Telaviv (11 reféns e cinco palestinos mortos);

naquele ano de 1972
- quando a Doutrina da Segurança Nacional dos Estados Unidos criou uma insegurança total na América Latina,
- quando a Transamazônica (BR 230) que vai destruir 29 territórios indígenas, é inaugurada e celebrada como símbolo do desenvolvimento e do “milagre brasileiro”;

naquele ano de 1972
um pequeno grupo de 25 missionários e missionárias, convocados pelo Secretário geral da CNBB, Dom Ivo Lorscheiter, se reúne em Brasília para discutir o projeto de Lei n. 2328 que tramitava na Câmara e dispunha sobre o Estatuto do Índio.

Ao convocar esse grupo missionário, pensou-se, na CNBB, criar uma assessoria ligada às bases missionárias que deveria observar a política indigenista do governo e promover o aggiornamento missionário da Igreja Católica. Havia preocupações concretas: as denúncias feitas na Declaração de Barbados I (1971)[4], a insatisfação dos missionários com a pastoral neocolonial e não específica junto aos povos indígenas, as denúncias sobre matanças de índios.

Em 1969, apareceram no exterior notícias sobre o genocídio dos índios no Brasil, inclusive com fotos de índios torturados. A “pacificação” dos Cinta-Larga ocupou, desde 1969, as manchetes dos jornais. A construção das rodovias BR 230 (Transamazônica), 174 (Manaus-Boa Vista), 163 (Cuiabá-Santarém), 364 (Cuiabá-Porto Velho) e 210 (Perimetral Norte) projetou suas sombras sobre dezenas de povos indígenas na Amazônia. O órgão da política indigenista do Estado, a Fundação Nacional do Índio (Funai), teve a incumbência de garantir que os índios não representassem obstáculo à política desenvolvimentista.

O grupo convocado por Ivo Lorscheiter se constituiu em “Conselho”, oficiosamente ligado à CNBB. A ata da primeira reunião desse Conselho, escrita a 23 de abril de 1972, por Dom Geraldo de Proença Sigaud, um dos ferrenhos contestadores do Vaticano II e então bispo de Diamantina (MG), foi assinada por outros 25 participantes, entre eles os bispos Ivo Lorscheiter (secretário-geral da CNBB), Henrique Froehlich (Diamantino, MT), Luís Gomes de Arruda (Guajará-Mirim, RO), Eurico Kräutler (Altamira, PA), Pedro Casaldáliga (São Félix, MT), Tomás Balduíno (Goiás, GO), Estêvão Cardoso de Avelar (Marabá, PA) e os missionários Tomás de Aquino e Sílvia Wewering. Foi o nascimento do Cimi, dez anos depois do início do Concílio Vaticano II.

Os participantes do primeiro encontro ainda elegeram sete membros como primeiros conselheiros estatutários do Cimi: os padres Adalberto Holanda Pereira, jesuíta; Casimiro Beksta, salesiano; Thomaz de Aquino Lisboa, jesuíta; irmã Sílvia Wewering, das Servas do Espírito Santo e D. Tomás Balduíno Ortiz. Os padres Ângelo Jaime Venturelli, salesiano, e José Vicente César, do Verbo Divino, foram respectivamente eleitos presidente e secretário do Cimi. A presença de D. Tomás Balduíno para a transformação desse grupo heterogêneo numa pastoral profética pró-índio, era essencial. O que facilitou a sua tarefa foi o fato de que na hora da fundação do Conselho Indigenista Missionário (1972), a Igreja latino-americana já tinha feito a sua leitura do Vaticano II com os olhos de Medellín (1968): assumir a realidade dos pobres, presença nessa realidade (inserção), articulação dos sujeitos que vivem nessa realidade, alianças com Igrejas e movimentos fora do País que estava atravessando anos de ditadura militar colada em certa euforia desenvolvimentista na contramão dos povos indígenas no Brasil e na maioria dos países do continente.

Tomás Balduíno continuou até hoje como patriarca iluminado, conselheiro e amigo do Cimi. A ruptura com o sistema de acumulação e de injustiça não depende do pastor, mas se torna mais viável com ele. Sua missão é “despertar esperança em meio às situações mais difíceis, porque, se não há esperança para os pobres, não haverá para ninguém” (DAp 395).

 Virada pastoral

Na época da fundação do Cimi, em 1972, a sociedade brasileira e as Igrejas locais não acreditavam na possibilidade de os povos indígenas virem a ter futuro próprio, como povos e nações. Parecia lógico que o caminho indicado para o futuro dos 90 mil (segundo dados do governo militar da época) ou 180 mil índios, segundo o recenseamento do Cimi de então, seria a sua integração aos padrões culturais e jurídicos da sociedade nacional e a sua assimilação étnica e religiosa. A perspectiva de integração dos índios na sociedade classista dispensaria a demarcação de suas terras e a sua proteção específica; a perspectiva de sua conversão dispensaria o diálogo inter-religioso e a inculturação.

Os princípios, que desde o início fundamentaram a ação do Cimi e condensaram a “virada pastoral, foram:

a) o respeito à alteridade indígena em sua pluralidade étnico-cultural e histórica e a valorização dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas;

b) o protagonismo dos povos indígena sendo o Cimi um aliado nas lutas pela garantia dos seus direitos históricos;

c) a opção e o compromisso com a causa indígena dentro de uma perspectiva mais ampla de uma sociedade democrática, justa, solidária, pluriétnica e pluricultural.


D. Tomás defendeu esses princípios no templo e no pretório. Acompanhou a história do Cimi marcada por testemunhas qualificadas. Na trajetória de sua longa e abençoada vida de mais de 90 anos, muitas sementes, que o confessor Balduíno lançou, se multiplicaram nos corações e territórios dos povos indígenas. Nenhum inverno político ou eclesiástico conseguiu sufocá-los por baixo de um cobertor de gelo neoliberal ou neoagostiniano. Hoje, somos testemunhas de uma pastoral indigenista que aprendeu que a catequese a serviço da Vida passa pela questão da terra, da cultura e da participação política. Somos testemunhas de uma pastoral que devolveu o protagonismo da causa indígena aos próprios indígenas, sem jamais abandonar a sua causa.

Tomás Balduíno, você foi enviado por Deus para incomodar. Obrigado. Deus seja louvado!





[1] Cf. Y. CONGAR, Jornal d’um théologien 1946-1956, Paris: Cerf, 2001, p. 119, 233, 280, 349, 433.
[2] Cf. P. SUESS, “O que é o real”, em: Concilium, 2012/3.
[3] CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Declaração Dominus Iesus sobre a unicidade e universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja, n. 4 (6.8.2000).
[4] Declaração do “Simpósio sobre a fricção interétnica na América do Sul” (Declaração de Barbados I, de 1971)), in: P. SUESS, Em defesa dos povos indígenas. Documentos e legislação, São Paulo, Loyola, 1980, p. 19-26.