Os ecos de Laudato Si’ e do discurso do Papa Francisco no Encontro dos Movimentos Populares




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Entrevista IHU Instituto Humanitas Unisinos

Paulo Suess

1. Qual a novidade da Encíclica Laudato Si’ acerca das questões ambientais? Quais são os conceitos principais?

          A Encíclica Laudato Si´ (LS) caiu como uma fruta madura no jardim da Igreja Católica e no mundo. Recebeu raios de sol, ventos, águas e tempestades que contribuíram para esse amadurecimento. Sabe-se que colaboradores discretos e indiscretos contribuíram para um compêndio socioecológico que, afinal, tem o pulso do Papa Francisco que o assinou no dia 24 de maio de 2015, na festa de Pentecostes. Grandes inovações científicas e filosóficas, muitas vezes, surgem numa certa sincronicidade em vários lugares do planeta, sem ligação causal ou dependência explícita. Assim existiu uma simultaneidade inexplicável entre descobertas de Copérnico e Galilei. A Encíclica respira o frescor pentecostal e a jovialidade franciscana, sem excessiva preocupação com conceitos, já que o papa não quer propor umas “palavras definitivas” (conceitos), mas animar um “debate honesto” (LS 61) e aberto entre os interessados.
          Fontes
    Para fundamentar as questões abordadas, Francisco recorre à Gaudium et spes, a contribuições de seus antecessores, a documentos das Igrejas locais, sejam católicas ou ecumênicas, e ao consenso científico sobre a situação climática hoje.
          No Brasil, desde os anos 70 do século passado, a questão social foi articulada com a questão ecológica, como já mostravam tema e lema da Campanha da Fraternidade (CF) de 1979: “Por um mundo mais humano” (ecologia humana!) e: “Preserve o que é de todos” (bem comum!). Em 1992, com a iminente realização da Conferência das Nações Unidas sobre “Meio Ambiente e Desenvolvimento”, o Setor Pastoral Social da CNBB realizou um Seminário sobre “A Igreja e a Questão Ecológica” (cf. LS 88), que tratou os custos sociais e ambientais do desenvolvimento. A CF de 2004 focou a questão da água (“Água, fonte de vida”), que repercutiu na CF 2011 (cf. n. 71-76) e na Laudato Si´ (cf. LS 27 a 31). Na CF de 2011, a Igreja do Brasil convidou outra vez para a “conversão ecológica” abordando o tema do aquecimento global e das mudanças climáticas: “Fraternidade e a Vida no Planeta”. O lema deu voz à palavra do apóstolo Paulo: “A criação geme em dores de parto” (Rm 8,22). Muitas outras CF anteciparam preocupações de uma “ecologia integral” tratadas na LS: trabalho (CF 1978, 1991, 1999), migração (CF 1980), terra (CF 1986), moradia (CF 1993). Cursos, Semanas de Estudo, Planos Pastorais assumiram e divulgaram o pensamento sócio ecológico nas respectivas bases, embora devamos admitir que o conjunto do povo de Deus e da humanidade ainda não mordeu a questão.
          As reflexões teológicas, que precederam a LS, apresentam em seu conjunto um dossiê bíblico completo geralmente assumido pela Encíclica. Uma ou outra vez, por exemplo na questão da evolução (cf. LS 81), ela parece ter dificuldade na conciliação entre exegese bíblica e ciência, o que não impede, como na parábola do Bom Samaritano que com duvidosas opções teológicas, pelos quais os samaritanos foram excluídos do Templo de Jerusalém, assumiu práticas corretas (Lc 10,30ss).
          Linhas mestras
      A Encíclica LS não precisava inventar a roda da reflexão ecológica. Ela se beneficia de preocupações prévias e conceitos socioecológicos já consolidados e os assume como linhas mestras:
1. Existe um nexo essencial entre questões ecológicas e questões sociais (cf. LS 43). “O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto” (LS 48) e exigem uma “ecologia integral” (LS 137ss).
2. A noção do desenvolvimento subordinado ao lucro produziu a “cultura do descarte” (LS 16, 22, 43) e a deterioração da qualidade de vida.
3. Somente uma “ecologia humana” (LS 5, 148, 152, 155s), que antes de tudo deve ser uma “ecologia integral” (LS, cap. IV), pode frear a degradação socioambiental e climática. Ela exige “conversão ecológica” (LS 5, 216-221) e responsabilidade.
4. A “ecologia humana” é o cuidado da “casa comum” do planeta terra e é expressão vivencial e responsável do “bem comum” (LS 23ss, 156ss).
          Novidades?
    A falta de novidade teológica e científica da Encíclica nos faz perguntar: “Por que essa curiosidade do mundo jornalístico antes da publicação da Laudato Si´”? “O que explica o sensacionalismo que precedeu à publicação da LS, como se o Vaticano tratasse do lançamento do mais novo produto de Tim Cook e de sua Apple-Comunity, de uma nova versão do iPad, do lançamento antecipado do Apple Watch ou de uma nova versão do Android da Google”? Os setores eclesiásticos interessados não se perguntaram sobre eventuais novidades teológicas, mas sobre implicações pastorais daquilo que já se sabe: “Como a LS vai articular a poesia franciscana com a realidade ecológica e a prática pastoral”? “O papa vai propor um capitalismo verde ou vai avançar com a crítica sistêmica? Francisco vai poder comunicar questões tão complexas numa linguagem acessível que rompe com o hermetismo científico e a erudição teológica”?
          A “novidade” da LS pode ser atribuída ao ministério universal do papa, à assunção de conteúdos e horizontes da teologia latino-americana pelo magistério universal da Igreja e ao carisma pessoal de Francisco que, em sua biografia, nem acadêmica nem institucionalmente, foi obrigado através de um estágio prolongado a adaptar-se ao pensamento curial:
- A LS assume e devolve muitas perguntas. Das respostas, hoje possíveis, procura construir imperativos pastorais e categóricos em benefício de toda a humanidade: “Torna-se indispensável criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure a proteção dos ecossistemas” (LS 53).
- A reflexão ecológica aprofunda as questões sociais e a opção pelos pobres: “Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental” (LS 139).
- Sem pestanejar, o papa faz uso da metodologia indutiva do ver-julgar-agir, que Roma, depois de Medellín (1968), tachou teologicamente incorreta impondo novamente teologias dedutivas.
- Denuncia uma concepção idolátrica e mágica do mercado (cf. LS 190, 56) e a economia que exclui os mais pobres (cf. LS 95).
- Francisco assume amplamente a reflexão das Igrejas locais que articulam os verdadeiros problemas do povo de Deus, e respalda os resultados da comunidade científica sobre as questões climáticas e ambientais.
          A atenção política do peregrino, a autenticidade espiritual do místico, a crítica do sistema milenar, que representa, e a sensibilidade humana do militante, contribuíram para um interesse mundial antes nunca observado na publicação de uma Encíclica. O mundo queria ouvir a voz de um ser humano confiável. Como a estrela de Belém não errou quando parou sobre o casebre de gente pobre, também Francisco não errou em sua recente viagem visitando os países mais pobres da América Latina: Equador, Bolívia e Paraguai. Mostrou que é possível falar sem diplomacia do óbvio, da necessidade de mudanças, da necessidade e do direito fundamental de ter acesso a um teto, ao trabalho e à terra. Eis a novidade: O Papa Francisco representa hoje sujeitos e destinatários de uma comoção inquieta e de uma grande esperança. Como um Condor desce dos Andes, cumprindo a promessa de Caetano Veloso (cantada por Milton Nascimento) que fala de “Um Índio” que virá:
          “E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
          Surpreenderá a todos não por ser exótico
          Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
          Quando terá sido o óbvio”.

          [https://youtu.be/-TD1t2zWWAU]

2. Qual a importância de uma instituição como a Igreja Católica se manifestar sobre as questões ambientais? Quais as relações entre ecologia e religiosidade?

          O próprio Francisco se faz essa pergunta: “Por que motivo incluir neste documento dirigido a todas as pessoas de boa vontade, um capítulo referido às convicções de fé” (LS 62)? E ele responde que no caso da ameaça de toda a humanidade, ciência e religião, ambas com finalidade humanística, têm o dever de colaborar na mudança desta realidade.
          A partir da reflexão teológica da fé cristã compreende-se a argumentação fundamental da LS: “Não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (LS 49).
          Nessa situação, a Igreja não só pode produzir documentos na altura do status quaestionis, mas precisa assumir seu papel de uma instância mediadora e mobilizadora de suas bases. Quem não ama e defende sua “irmã maior”, a natureza, nem a sua “mãe”, a terra, regride ao estado animal da evolução que faz prevalecer a lei do mais forte.
          A Igreja do papa Francisco tem muitos registros e razões para o engajamento nessa causa:
- seus imperativos doutrinários radicados na fé,
- sua capacidade de costurar alianças com todos os setores, abrindo mão de interesses corporativistas, em benefício do "bem viver” e da sobrevivência de toda a humanidade,

- e, pela autenticidade e facilidade de comunicação, observa-se um convencimento crescente sobre as massas populares, num momento, em que adesão institucional à Igreja católica perde expressividade.

As oito perguntas restantes com as respostas você pode ler nas páginas 91-103 da própria Revista IHU onde foram publicadas:

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